O assento da imagem pode não parecer nada do outro mundo, mas para alguns poucos sortudos (ou loucos), é exatamente isso. Essa cadeira reclinável curiosa com encosto de cabeça envolvente, que parece saída do consultório de dentista, é na verdade um assento da espaçonave de Jeff Bezos - a Blue Origin New Shepard - programada para ir ao espaço em 20 de julho.
Bezos, fundador da Amazon e também da Blue Origin, empresa que construiu a nave, já garantiu seu lugar no voo.
Existem seis desses assentos na cápsula do foguete, mas apenas quatro serão ocupados na primeira viagem: um para Bezos, um para seu irmão Mark e dois para um par de passageiros não identificados, um dos quais desembolsou R$ 140 milhões para o privilégio do passeio.
Os assentos são posicionados próximos a janelas gigantes para que os passageiros possam relaxar e desfrutar da vista celestial.
Mas a viagem será turbulenta - os assentos são projetados para absorver parte do impacto enquanto a cápsula subirá a mais de 100 km acima do nível do mar, com uma força três vezes maior do que a gravidade que prenderá os passageiros em suas cadeiras.
Depois que chegar ao espaço, a nave despencará de volta à Terra para um pouso no deserto do Texas.
Além da sensação de estar no espaço, uma das principais reações relatadas pelos primeiros viajantes, é o mal estar. Boa parte deles vomita na primeira ida ao espaço. Ou seja, a cadeira de R$ 140 milhões provavelmente terá de vir com o prosaico saquinho para vomitar, como nos aviões.
O mundo em que vivemos
A empreitada de Bezos nos diz muito sobre os tempos em que vivemos. Bezos é um dos homens mais ricos do mundo. Bezos investiu bilhões ao criar a Blue Origin com a finalidade de realizar seu sonho de ir ao espaço, e possivelmente ganhará outros bilhões com a venda de tecnologia e serviços de turismo espacial. Quem pagou R$ 140 milhões para estar ao lado dele, também deve ser alguém muito endinheirado.
Mas enquanto o bilionário se arrisca no espaço, aqui na terra as notícias relacionadas à Amazon e a maneira como trata seus trabalhadores são cada vez mais preocupantes.
O próprio Bezos já reconheceu que a empresa precisa melhorar e escreveu em abril que gostaria que a Amazon se tornasse "o melhor empregador da Terra e o lugar mais seguro da Terra para trabalhar".
Mas a realidade por hora parece distante disso. “Em contraste com seu processamento preciso e sofisticado de pacotes, o modelo da Amazon para gerenciar pessoas - altamente dependente de métricas, aplicativos e chatbots - era desigual e tenso mesmo antes da chegada do coronavírus (...). Em meio à pandemia, o sistema da Amazon destruiu os trabalhadores, resultou em demissões inadvertidas, paralização de benefícios e impediu a comunicação, lançando uma sombra sobre uma história de sucesso de negócios para sempre”, afirma reportagem do NY Times.
Ainda segundo a reportagem, mesmo antes da pandemia, a Amazon perdia cerca de 3% de seus funcionários horistas a cada semana. Os horistas são a maioria dos trabalhadores da Amazon, atuando em tarefas menos especializadas nos armazéns e realizando as entregas nas ruas.
Isso significa que a rotatividade da força de trabalho era de cerca de 150% ao ano nos Estados Unidos. Essa taxa, quase o dobro das indústrias de varejo e logística, fez com que alguns executivos da empresa se preocupassem até com a possibilidade de faltar trabalhadores para a empresa. Nesse ritmo, em alguns anos, todos os americanos já teriam trabalhado na Amazon em algum momento.
Mas é precipitado imaginar Bezos como um gênio maligno que irá ao espaço. Ele também realiza projetos filantrópicos incríveis como investir bilhões para criar uma rede de pré-escolas gratuitas do tipo Montessori.
Mas de certo modo, é como se bilionários como Bezos estivessem ajudando a combater os problemas que eles mesmos ajudam a criar com a crescente concentração de riqueza nas mãos de uma elite.
Ironicamente, uma filantropa que parece estar lutando ativamente com essa questão é MacKenzie Scott, ex-mulher de Bezos. Após a separação com a revelação de um affair do marido, MacKenzie também se tornou bilionária. Mas diferentemente do ex, que criou uma fundação para resolver os problemas do mundo, ela tem consistentemente distribuído milhões a diversos grupos especializados em diferentes causas.
Segundo MacKenzie, suas ações são "governadas por uma crença humilde de que seria melhor se a riqueza desproporcional não estivesse concentrada em um pequeno número de mãos, e que as soluções são mais bem projetadas e implementadas por outros”, escreveu recentemente.
MacKenzie talvez não seja um personagem tão interessante quando Bezos. Porém, mesmo não indo ao espaço e vivendo uma vida pacata e discreta, ela possivelmente fará mais pela humanidade do que os bilionários que têm status de heróis por seus bilhões acumulados empreendimentos megalomaníacos no espaço e na terra.