Após quase um ano desde a confirmação dos primeiros casos da covid-19, Pernambuco reviveu as medidas mais restritivas da pandemia no último final de semana, em uma tentativa de diminuir preocupantes taxas de casos, ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e de mortes no Estado. Mesmo com o funcionamento liberado apenas para serviços essenciais, o percentual de isolamento social atingiu 43,3% no sábado (6) e 50,2% no domingo (7), números ainda distantes dos observados durante os primeiros meses de quarentena em 2020.
Os dados extraídos do Mapa de Isolamento Social e utilizados nesta reportagem são levantados por meio de tecnologia de geolocalização desenvolvida pela In Loco, e estão disponíveis desde fevereiro de 2020 na web. O gráfico mostra que, nos dois finais de semana anteriores às restrições do governo estadual, o isolamento tinha sido de 38,01% (27/02), 46,9% (28/02), 45,2% (21/02) e 33,06% (22/02) em Pernambuco. No final de semana de Carnaval, 13 e 14 de fevereiro, os números foram de 40,6% e 49,9%, respectivamente.
As taxas do último fim de semana também demonstram em números o descumprimento das orientações da gestão estadual flagradas pela reportagem do JC, principalmente com aglomerações em praias. Desde a chegada da pandemia, o período em que Pernambuco teve mais pessoas que ficaram dentro de casa foi entre março e abril de 2020. O maior índice de reclusão já alcançado pelo Estado foi de 62,2%, em 22 de março do último ano.
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O epidemiologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Rafael Moreira afirma que o aumento do isolamento nos últimos dias não foi o ideal, mas que já é significativo. “A taxa de 50% ainda é pouca para ter um impacto, mas é significativa em termos de comportamento social, pelo aumento do respeito às normas e à fiscalização, porque no Brasil, infelizmente, a gente só obedece quando tem fiscal e punição; então essa medida é importante, porque saímos de um patamar de 46% para 50%. Mas esse número não vai ter um efeito imediato, porque é necessária uma continuidade da medida”, defende.
Ele acredita que para que se tenha uma resposta positiva no combate ao coronavírus, é necessário que as restrições continuem acontecendo por, no mínimo, mais duas semanas; e que sejam ainda mais duras. “A gente só vai conseguir enxergar o impacto dessa medida se a gente conseguir mantê-la nesse patamar ou mais durante duas semanas. Advogo para que não aconteçam só no final de semana, e não só em horário noturno [durante a semana], mas que o horário de atividades seja restringido para apenas um período do dia, ou na manhã ou na tarde, porque se mundo circula no horário útil, vai continuar tendo aumento de casos e ocupação de leitos”, explica.
Ao contrário dos sábados e domingos, os serviços não essenciais podem abrir as portas das 5h às 20h durante os dias úteis em Pernambuco. O decreto estadual tem validade até o dia 17 de março, podendo ser prorrogado, e foi lançado a partir da observação da alta ocupação de leitos de UTI no estado, com intenção de evitar um colapso na saúde. Neste domingo (7), cerca de 95% dos leitos estaduais estavam com pacientes; já nos hospitais privados, a ocupação era de 91%.
Pela situação epidemiológica em que o Estado vive, a vendedora Clara Oliveira, de 21 anos, acredita que o governo fez o que estava ao seu alcance para diminuir o contágio sem fechar completamente o comércio, mas que as medidas foram economicamente negativas. Ela, que trabalha presencialmente em uma loja de roupas do Shopping Recife, no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife, agora só pode vender até as 20h nos dias de semana, e pela internet nos sábados e domingos.
“Eu trabalho no horário do fechamento e fico até 22h normalmente, e agora a gente perde duas horas que podíamos estar vendendo, e os fins de semana também. Nos sábados e domingos a gente trabalhava o dia todo. A loja sobreviveu à pandemia graças às vendas online, que tem a opção de usar o código da vendedora. Então a marca pede para a gente investir na divulgação, para trabalhar pelo Instagram para conseguir vender online, e ganhamos a mesma comissão pela internet”, conta.
Outro profissional afetado pela medida foi o personal trainer Roberto Soares, de 22 anos. O jovem trabalha em um box de Crossfit pela manhã e em uma academia de musculação à noite, e ganha por hora de trabalho. “Vou ter uma redução no salário, já que nos dias de semana eu pegava de 7h às 22h, e tive que reduzir minha carga horária”. Agora, nos dias úteis, o professor atua apenas até às 20h, limite de horário permitido. Nos finais de semana, os centros esportivos estão fechados, e, por isso, Roberto não trabalhou neste último; apenas saiu de casa para surfar sozinho em Porto de Galinhas, em Ipojuca, já que a prática de esportes individuais nas praias segue permitida.
O profissional considera que, nas academias, a redução do horário de funcionamento não foi positiva, porque acabou aumentando o fluxo de pessoas no resto do dia. “De uma forma geral, qualquer tipo de restrição é válida por causa do que a gente está vivendo, e espero que essa mudança surta bons efeitos; mas eu achei que na prática, acabou enchendo mais a academia. Talvez um horário ainda mais live, por exemplo, até meia noite, iria espalhar mais esses alunos do que aglomerar”, defende.
Sobre a crítica do personal, o epidemiologista Rafael Moreira explica o decreto realmente gera aglomerações em alguns setores, mas que, de forma geral, é positivo. “Ele tem realmente um efeito positivo no horário noturno porque é quando as pessoas geralmente se aglomeram de forma não necessária, por atividades de lazer e confraternizações. Mas alguns setores acabam compensando em um aproveitamento maior dos horários permitidos, promovendo, então, aglomerações. Agora é claro que é melhor ter restrições do que deixar como estava antes. A gente sabe que tem pessoas que obedecem; algumas vão se aglomerar, mas não todas. Todas as medidas que visam essa redução de fluxo são bem vindas nesse momento que vivemos, da pandemia em sua pior fase.”
Em nota, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) informou que "em linhas gerais, a população aderiu às determinações sanitárias". Segundo a SDS-PE, casos de infração foram pontuais e, logo que houve a orientação, houve obediência.
De acordo com o balanço, nos sete primeiros dias de fiscalização, 28.300 intervenções foram feitas no território estadual, incluindo orientações, fiscalizações, abordagens de veículos. Ao todo, 62 pessoas foram conduzidas para delegacias por desobediência às medidas sanitárias, sendo 47 no interior e 15 no Grande Recife.
A reportagem do JC procurou o Governo de Pernambuco para comentar os números relacionados ao isolamento social no Estado, e atualizará esta matéria assim que receber um posicionamento.
Leia a íntegra da nota da SDS-PE:
Em cumprimento à determinação do Governo de Pernambuco, que proíbe o funcionamento de estabelecimentos cujas atividades não sejam essenciais (com horário e período determinados) do Litoral ao Sertão pernambucano, agentes das forças de segurança e órgãos públicos realizaram, nos sete primeiros dias de fiscalização, o total de 28.300 intervenções no território estadual, incluindo orientações, fiscalizações, abordagens de veículos. Dessas ações, ocorreram nas praias do Litoral Norte ao Sul, além de 13.560 na RMR (exceto praias) e 12.411 no interior.
Ao todo, 62 pessoas foram conduzidas para delegacias por desobediência às medidas sanitárias, sendo 47 no Interior e 15 na RMR.
A Operação Convivência, como está sendo chamada, teve início na sexta-feira (26/02), e acontece em parceria com órgãos municipais, Apevisa e Procon. O objetivo é fiscalizar o cumprimento da determinação do governador Paulo Câmara, visando combater a disseminação do novo coronavírus. O reforço de efetivo empregado é de 3.400 profissionais da segurança pública, além de agentes dos demais órgãos envolvidos nas fiscalizações que seguem até o término da determinação estadual.
HORÁRIOS E DIAS - Em todo o Estado de Pernambuco, os horários de restrição a atividades não-essenciais são das 20h às 5h do dia seguinte, de segunda a sexta-feira; e, nos finais de semana, esses serviços não-essenciais estão proibidos o dia inteiro, até às 5h da segunda-feira subsequente.
PRAIAS
No sábado (06/03) e no domingo (07/03), houve 2.329 intervenções das forças de segurança e agentes municipais no litoral de Pernambuco. A maior parte dos casos se registrou no sábado, com 1.460 intervenções, 40,47% a mais do que as 869 anotadas no domingo.
Foram orientadas 1.944 pessoas que estavam nas faixas de areia, e 385 estabelecimentos foram fiscalizados.
As cidades onde os servidores tiveram maior demanda de trabalho foram Recife, Paulista, Jaboatão, Olinda, Goiana, Cabo de Santo Agostinho e Itamaracá. Mas houve intervenções em Barreiros, Igarassu, Ipojuca, Rio Formoso, Tamandaré, São José da Coroa Grande e Sirinhaém.
Nenhuma pessoa precisou ser conduzida para delegacia por infração sanitária nas praias.
No dia de trabalho, agentes públicos fizeram intervenções no sentido de pedir o encerramento de partidas de futebol, vôlei, retirada de ambulantes, pessoas sentadas na areia e banhistas, encerramento de comércio não essenciais, como quiosques e barracas.
Em linhas gerais, a população aderiu às determinações sanitárias. Casos de infração foram pontuais e, logo que houve a orientação, houve obediência.