Em uma forte área comercial do Centro da cidade, no bairro da Boa Vista, um banheiro público, em vez de facilitar, dificulta a vida de vendedores e de clientes. Na estrutura situada na Rua do Hospício, rodeada de barracas com frutas e verduras expostas, a “descarga” faz escorrer urina pela calçada. Os vasos ficam no chão, fazendo com que as pessoas precisem ficar em pé ou se agachar para fazer as necessidades fisiológicas. Ali, sabão e papel higiênico são artigos de luxo; nunca encontrados. Há anos a limpeza é responsabilidade de quem precisa usar o banheiro no dia a dia da via, mas mesmo assim não é preciso chegar muito perto para sentir o mau cheiro.
Comerciante da região há mais de 20 anos, Lucimara Braz, de 42 anos, já perdeu as contas de quantas vezes denunciou a situação do equipamento. Para ir ao banheiro dignamente, precisa contar com a solidariedade dos lojistas que têm um próprio. “Não tem condições de usá-lo. Tem freguês que diz que não vai comprar com a gente por ser perto do banheiro, pelo mau cheiro. Isso precisa ser resolvido, porque trabalhamos com alimentos”, pediu.
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A capital pernambucana conta com mais de 50 banheiros públicos distribuídos ao longo da orla, em parques, praças e espaços públicos, além dos mercados geridos pela gestão municipal. Mas a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) tem sob sua responsabilidade apenas 13 deles, na Av. Dantas Barreto; Praça do Arsenal; Praça do Sebo; Parque 13 de Maio; Rua do Hospício; Praça do Derby, Lagoa do Araçá; Praça do Hipódromo; Praça de Campo Grande; Parque de Apipucos; Parque Santana; Parque Caiara e Parque da Macaxeira.
Segundo a gestão municipal, são gastos mais de R$ 2 milhões anualmente com recuperação de equipamentos públicos, incluindo os banheiros, mas são constantemente alvos de depredação e vandalismo diariamente, motivo pelo qual muitos deles foram fechados.
É o caso do situado na Rua José Mariano. Após anos de depredação, o banheiro em estilo bizantino, construído na Rua José Mariano a mando do engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Britto (1864-1929) no século XX, foi desativado. A beleza de sua estrutura, que conta com duas cabines, contrasta hoje com as pichações que ganhou e com o xixi e cocô que ficam escondidos por trás, na calçada de uma área histórica da cidade.
O comerciante Paulo Roberto Gomes, de 53 anos, que vende bolsas no pé da Ponte da Boa Vista há 40 anos, era uma das pessoas beneficiadas pelo equipamento quando funcionava. “Era limpo e bem cuidado, tinha água e descarga. Todo mundo usava, os comerciantes e quem vinha fazer compras. Tinha um rapaz para lavar todo dia, era todo direitinho. Nunca nos informaram o porquê foi fechado. Aqui só tem esse. Agora o pessoal fica apertado o dia todo, tendo que fazer xixi na rua e deixar tudo fedendo”, contou.
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Um banheiro no mesmo estilo ao da Rua Dr José Mariano está na Rua Mariz e Barros, no bairro de Santo Antônio, também desativado. Todo gradeado para que ninguém tenha acesso, ele agora funciona de depósito para uma cafeteria que fica no Cais do Imperador. Funcionários do estabelecimento contaram ao JC nunca ter visto a estrutura receber reparos por parte do poder público, e que é a própria empresa que o mantém bem pintado e conservado para agregar valor ao local.
No Bairro do Recife, o banheiro público que fica na Avenida de Martins, único da região, estava fechado no dia da visita da reportagem, inclusive com cadeados, em uma terça-feira à tarde.
Outras deficiências foram vistas nos do Parque 13 de Maio, na Boa Vista. Também sem papel higiênico ou sabonete. No feminino, faltava a porta da frente, deixando as cabines à mostra. No masculino, o fedor era grande, e o chão estava enlameado.
O que diz a Prefeitura do Recife
Por nota, a Emlurb alegou que todos os equipamentos sob sua responsabilidade contam com funcionários responsáveis pelos serviços diários de manutenção e limpeza, e que os banheiros do Mercado de Casa Amarela e do Mercado da Boa Vista, por exemplo, ganharam requalificações recentemente.
A Prefeitura do Recife explicou que, para a população em situação de rua, há banheiros nos dois Centros de Referência Especializado para População (Centro POP) da cidade, em Santo Amaro, área central da capital pernambucana, e na Madalena, Zona Oeste do Recife.