O Túnel Augusto Lucena é a síntese da crônica falta de habitação no Recife. Ali, há riscos para todos os lados: para as vidas em vulnerabilidade da Comunidade do Pocotó, que ocupou tudo que era plano em seus arredores, e para a própria estrutura - que, na última avaliação, feita há cinco anos, não tinha perigo de cair, mas já apresentava problemas pelo excesso de peso provocado pela ocupação.
O assunto voltou à tona após um leitor do JC apontar receio com o estado do equipamento, na coluna Voz do Leitor, levando a gestão municipal a revisitar o local na última quarta-feira (30).
Ao chegar lá, equipes da Secretaria Executiva de Controle Urbano (Secon) disseram ter constatado que dois novos barracos estavam sendo construídos, e, por isso, usou seu poder de polícia e os demoliu. Também foram destruídos uma piscina e materiais como ferro e madeiras que estavam sobre a laje.
“Estivemos no local e identificamos duas construções em andamento e, como há o acompanhamento desde 2017 da área, sempre que há esse tipo de construção irregular, procedemos com a retirada”, explicou a secretária-executiva de Controle Urbano do Recife, Marta Lima.
Um deles pertencia a Roselânia da Silva, de 24 anos, que está grávida de 2 meses e desempregada. Ela estava morando na casa da irmã desde que seu barraco foi invadido por água acumulada no túnel, mas pretendia voltar para casa este mês.
“Recebi um telefonema mandando eu vir para cá e quando cheguei me deparei com isso, eles derrubando tudo”, contou. Roselânia disse não ter tido tempo de retirar o que restou no local, como armário, ventilador e colchão.
Ao saber da ação, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que representa o Pocotó, reuniu-se com a Secon no mesmo dia e combinou uma visita ao Pocotó no dia seguinte a fim de renovar o levantamento das famílias que vivem ali. “Até agora não tem indicativo nenhum para as famílias”, disse Jô Cavalcanti, coordenadora nacional do MTST.
Enquanto a Prefeitura escrevia números nas paredes das casas e pedia a identificação de seus moradores, o clima era de desconfiança. Isso porque ela lembrou de 2018, quando casas foram retiradas do local por estarem no local de mais risco. “Quando marcam a casa de vermelho, já sei que é o pior” desabafou o zelador José Cleiton, de 47 anos, aperreado.
Quem passa de carro ou outros meios de transporte por debaixo do túnel, localizado em Boa Viagem, não imagina a quantidade de vielas que espremem as 48 casas e as tantas histórias de negligência. As 58 famílias integram a paisagem há pelo menos 20 anos, pouco após o túnel ser inaugurado, em 1994, como parte do projeto do Rio Jordão.
Ocupada há pelo menos 20 anos, a comunidade já sofreu remoções anteriores. Em 2018, a juíza Mariza Silva Borges, da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou a retirada de 11 moradores cujas casas foram construídas exatamente em cima do túnel. Eles receberam o auxílio-moradia, hoje de R$ 300, mas muitos voltaram a morar no local, explicou Jô.
POCOTÓ: QUE DESTINO TERÁ?
Agora, o túnel precisará ser reavaliado pela Defesa Civil do Recife, que vai analisar se o risco em sua estrutura aumentou - em data não informada. Caso o nível de risco seja 4, o mais alto, a determinação é a retirada urgente das famílias. "Temos que aguardar o laudo técnico sobre a situação estrutural do túnel para adotar as medidas cabíveis", disse Marta.
O clamor da população é que essa retirada seja feita com cautela e que a solução não seja o fornecimento de um auxílio-moradia. Hoje, o benefício é pago a 7.456 famílias na cidade, que não têm o problema resolvido; pelo contrário, continuam a integrar a taxa de déficit habitacional, estimada em 70 mil.
“Queria uma moradia digna fora de lá, já que é uma área de risco”, disse a líder comunitária Luciana Silva, de 30 anos. “Eles disseram que vão derrubar mesmo. A gente tem que ter essa consciência que vai ser removido, mas que seja uma remoção pacífica, com diálogo e que a gente possa ficar tranquilo e sem medo, porque está todo mundo aflito", pediu Luciana.
A expectativa é de que as famílias sejam incluídas no Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar Recife), que pretende realocar famílias e urbanizar áreas de risco através de recursos obtidos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Entretanto, para Jô, deve haver uma resposta imediata às violações de direito a moradia. “Não tem indicativo de quando vai começar. Até lá, a prefeitura devia se movimentar para dar uma resposta mais concreta para a comunidade, para que ela não fique nesse medo de toda vez ter ações como as que aconteceram ontem.”