“Se não fosse a estabilidade, ele não estaria aqui sentado com a coragem que ele tem de denunciar isto tudo que está ocorrendo”. Foi dessa maneira que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) falou, na CPI da Covid em junho de 2021, sobre a iniciativa do seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, de denunciar suspeitas de irregularidades nas negociações para a compra de vacinas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A declaração do deputado chamou atenção para um dos vários aspectos que envolvem os servidores públicos, nesse caso específico, a estabilidade de emprego que permite uma atuação independente em relação ao projeto político de quem está no poder.
“Os episódios levados à CPI da Covid mostram que a estabilidade é um instrumento fundamental para que o servidor público tenha garantia para exercer em plenitude as suas atribuições e prerrogativas legais sem ingerência política. É isso o que está em jogo”, opina o presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, em um vídeo publicado nas redes sociais da entidade.
Mais recentemente, outro caso mostrou a importância da estabilidade no serviço público. No último dia 16, o presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstrou a intenção de divulgar os nomes dos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovaram a autorização para que a vacina da Pfizer contra a covid-19 seja aplicada em crianças de cinco a 11 anos.
No dia seguinte, a Anvisa divulgou nota repudiando qualquer ameaça “explícita ou velada” ao exercício de suas funções. A agência também pediu proteção policial a seu corpo funcional, que teria sofrido ameaças de morte após as críticas de Bolsonaro à autorização dada pela Anvisa.
“Por causa da estabilidade, os servidores da Anvisa, a despeito da velada ameaça do presidente da República, permaneceram firmes na defesa do relatório [sobre vacinação em crianças] que fizeram”, diz Álvaro Abreu, especialista em Gestão Pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo o advogado Marcello Gadelha, professor de Direito Constitucional e especialista em Direito Público, a estabilidade dos servidores é uma garantia constitucional e, por isso, consegue proteger efetivamente os servidores.
"Segundo o artigo 41 da Constituição, são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”, explica o advogado Marcello Gadelha, professor de Direito Constitucional e especialista em Direito Público, pontuando que após o estágio probatório essa estabilidade se cristaliza.
Na mesma linha, a advogada constitucionalista Katarina Gouvêa afirma que, com a estabilidade, o servidor pode trabalhar com a impessoalidade que dá o dom da administração pública. “Se não fosse assim, além de expostos, os servidores da Anvisa estariam demitidos”, avalia ela.
Ele também explica que, apesar de muita gente acreditar que a estabilidade impossibilita a demissão de servidores públicos que não cumprem seus deveres, esse entendimento é equivocado. “Com efeito, o servidor público estável pode perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.”
O debate sobre a estabilidade no serviço público, porém, não é novo. Nos últimos meses, a defesa enfática do ministro da Economia, Paulo Guedes, por uma reforma administrativa que acabaria com o benefício para servidores que não atenderem os critérios determinados no cargo foi alvo de protestos no Congresso Nacional.
Isso obrigou a Câmara dos Deputados a realizar uma mudança no texto na Comissão de Estudos. Os parlamentares, então, colocaram um dispositivo no qual o servidor não poderia ter duas avaliações negativas no período probatório. Após esse prazo, ele manteria a estabilidade no cargo público.
“As corporações do serviço público têm uma grande capacidade de influenciar decisões congressuais. Visto que são categorias organizadas, que dispõem de recursos econômicos e capacidade de representação política. Por isso, geralmente, eles conseguem salvaguardar seu conjunto de interesses, preservando seus direitos, privilégios e imunidades”, analisa o cientista político Elton Gomes, professor da Faculdade Damas.
“Então, a Câmara manteve a estabilidade dos servidores públicos devido à capacidade de lobby e organização política deste grupo”, aponta Gomes.
Por outro lado, o cientista político Vanuccio Pimentel, professor da Asces-Unita, credita à aproximação das eleições 2022 o motivo da mudança de posicionamento entre os deputados. Para ele, os parlamentares levaram em consideração os custos políticos de aprovarem tal medida.
“Penso que o recuo tem mais relação com o período eleitoral e com a repercussão negativa que essa decisão teria sobre a campanha eleitoral, tanto para deputados como também para o próprio presidente da República. É uma decisão que gera alto custo político e certamente seria tema do processo eleitoral”, diz Pimentel.
“Havia um debate sobre quais as carreiras de estado que manteriam a estabilidade e quais poderiam. Certamente, os grupos organizados de servidores também promoveram mobilizações sobre o tema, mas não vejo outro cálculo senão eleitoral neste recuo”, conclui.