Crítica: 'Anos 90' entre o apelo nostálgico e o drama sincero

Conhecido por estrelar em comédias, Jonah Hill faz sua estreia como diretor com 'Anos 90'
João Rêgo
Publicado em 29/05/2019 às 12:36
Conhecido por estrelar em comédias, Jonah Hill faz sua estreia como diretor com 'Anos 90' Foto: Reprodução


O apelo nostálgico para a cultura das décadas de 70, 80 e 90 vem sendo explorado exaustivamente por produções recentes. Indo do algoritmo da Netflix com Stranger Things, Everything Sucks!, passando pelo artifício meramente estilístico de obras como Demônio de Neon, Apenas Deus Perdoa e La La Land, até a ressignificação contemporânea nos cinemas de Adam Wingard (O Hóspede e Você é o Próximo) e David Robert Mitchell (Corrente do Mal e Under the Silver Lake), para citar alguns dos muitos exemplos – que ainda se estendem a outras produções e abordagens. O mais novo a se inserir dentro de toda essa discussão é Anos 90, longa de estreia do ator Jonah Hill.

O filme – que está na agulha para estrear no Recife – acompanha Stevie, um garoto de 13 anos, e sua rotina no subúrbio de Los Angeles entre o escapismo do skate e um ambiente familiar problemático. Seu irmão, vivido por Lucas Hedges, o despreza e o agride constantemente, enquanto sua mãe, mesmo que demonstre alguma preocupação, não consegue manter um clima estabilizado dentro da casa. Nas ruas, Stevie encontra um grupo de jovens skatistas com quem passa maior parte do seu tempo, tendo contato com o sexo e as drogas, além de lições de vida importantes.

A iconografia da década é assumida desde o título do filme. A “skate culture”, o hip-hop, a estética “cool” são todas apropriadas na concepção de mise-en-scène do diretor, que esbanja uma certa tradição do cinema de fluxo, principalmente o norte-americano do começo deste século.

O problema é que em poucos momentos essas influências vêm à tona, como concepção de vanguarda propriamente. O drama parece comprar essas concepções menos clássicas de planos e montagem como um mero fetichismo estilístico – uma espécie de neo-maneirismo vazio.

No entanto, diferente de outras obras com problemas semelhantes, a nostalgia não é um dos fatores mais definidores para isso. Mesmo que prejudique um pouco a formação imagética do filme, ela passa longe de se tornar artifício temático. Jonah Hill não compra uma narrativa que infantiliza o espectador em referências, pelo contrário, concebe um drama, se não tão autoral,  com bastante apreço pelo material que filma.

Em entrevista para revista Vogue, Jonah Hill destacou que o filme não é auto-biográfico. Talvez até por isso o protagonista tenha uma postura observadora – que funciona perfeitamente no drama.

SATÉLITE

Como satélite, Stevie é sobretudo um garoto de 13 anos. O mundo sempre conflitante a sua frente é visto por esse olhar de descoberta e maturação. Todas as tensões de classe não são expostas na crueza do exploitation ou se tornam motor central da história. Elas a movimentam ora por trás, ora pela frente – os contrastes e relações do grupo de skatistas evidenciam muito bem isso.

É assim que o drama, e aqui cabe afastar as muitas e fáceis comparações com o filme Kids do diretor Larry Clark, não se preocupa em solucionar tudo. Hill está longe do início de carreira de Clark, e mais perto de suas produções conseguintes – mesmo que esbarre ainda nas concepções imagéticas. Seu cinema está interessado nos pequenos gestos e momentos de singeleza que emanam, naturalmente, de um ambiente de tensão – sem que para isso assuma uma postura totalizadora sobre o que aborda.

Coming-of-age sincero, mesmo que não autobiográfico, o brilho de Anos 90 reside justamente nesses momentos – que ainda encontram espaços para o humor, afinal Jonah Hill se popularizou como um ator de comédias. A trilha-sonora também é um show à parte. Vai de Pixies, Nirvana, Morrissey ao hip-hop de N.W.A, Wu-Tang Clan, até o final catártico com Passin' Me By, do lendário grupo The Pharcyde.

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