O projeto de lei que previa colocar o automóvel para financiar a política de ciclomobilidade no Recife através da destinação da arrecadação com o estacionamento rotativo Zona Azul deverá ser engavetado pelos próprios vereadores da capital. Embora tenha sido aprovado pela Comissão de Mobilidade da Câmara Municipal, a proposta foi rejeitada por duas comissões da casa: Comissões de Finanças e de Legislação e Justiça. A proposta ainda irá a plenário, mas é pouco provável que seja aprovada. Infelizmente.
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O PL 179/2021, de autoria do vereador Luís Eustáquio (PSB), determina que 100% dos recursos da venda do bilhete da Zona Azul sejam utilizados na implantação de infraestrutura para a bicicleta, como ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, além de políticas que estimulem o pedalar. Algo que, na visão de quem batalha pela ampliação da mobilidade sustentável, especialmente da mobilidade ativa, é justo. Na Comissão de Mobilidade, a proposta foi aprovada por três votos a um. Mas na de Finanças e de Legislação e Justiça, que têm o mesmo relator, o vereador Samuel Salazar (MDB), líder do governo na Casa, a alegação para rejeitar foi que o PL iria aumentar a despesa ou reduzir a receita do município. Além disso, só poderia ser proposto pelo Executivo municipal.
As resistências ao projeto eram esperadas porque a Prefeitura do Recife não tem interesse em abrir mão dos recursos da arrecadação com a Zona Azul - na ordem de R$ 7 milhões por ano - porque são eles que custeiam as despesas de operação da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU). Ou seja, sem esse dinheiro o órgão gestor e operador do trânsito da capital não funciona. A ampliação da malha cicloviária e qualquer outra política voltada para a mobilidade por bicicleta é feita com a arrecadação das multas, prioritariamente voltada para a pavimentação de vias e, consequentemente, para o transporte individual.
Luís Eustáquio, por meio da assessoria de imprensa, informou que insistirá na proposta e a levará ao plenário para tentar que a maioria derrube os pareceres contrários. Mas as chances são poucas. Historicamente, sem o aval das comissões os projetos são ignorados pelos vereadores. Na prática, o Recife perdeu a chance de dar um passo importante na gestão da mobilidade da cidade. É importante destacar isso. Destinar os recursos da Zona Azul para a ciclomobilidade colocaria a capital pernambucana na vanguarda das cidades sustentáveis, com gestões que não apenas discursam, mas efetivamente priorizam os modais ativos. Algo fundamental e que, com a pandemia de covid-19, tornou-se imprescindível.
O QUE PODERIA SER FEITO COM OS RECURSOS
As 4.880 vagas de estacionamento rotativo Zona Azul existentes atualmente no Recife resultaram numa arrecadação milionária: em 2019 foram R$ 7 milhões; em 2020 mais R$ 6,1 milhões e, em 2021, R$ 2,7 milhões até junho - queda resultante da menor circulação de pessoas na cidade como efeito da pandemia de covid-19. A arrecadação daria, por exemplo, para implementar totalmente um plano emergencial de ciclofaixas e ciclovias proposto pela Associação Metropolitana dos Ciclistas (Ameciclo) ainda em 2020, como uma solução de mobilidade sustentável para o pós-crise sanitária. Ao custo máximo de R$ 4 milhões, a Ameciclo propôs implantar rapidamente e sem muitas dificuldades quase 90 km de estrutura cicloviária na cidade, não só em vias calmas, mas nas grandes avenidas. E, como consequência, beneficiar 600 mil pessoas diretamente - o equivalente a 39% da população recifense.
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O EXEMPLO DE FORTALEZA
Se o PL que propõe a destinação dos recursos da arrecadação da Zona Azul para a ciclomobilidade vingasse, o Recife seguiria os passados, mesmo atrasado, de Fortaleza, capital do Ceará. Nossos colegas cearenses já adotaram o modelo e têm se destacado no País com a política. Desde 2018, Fortaleza tem a Lei Municipal nº 10.752, que determina a destinação exclusiva de todo recurso arrecadado com o Sistema de Estacionamento Rotativo Zona Azul para o custeio da Política Cicloviária da Capital, que entre outros pontos inclui a criação e expansão de ciclofaixas e ciclovias. É a primeira cidade brasileira a ter o gesto de colocar o carro para subsidiar a bicicleta.
A Prefeitura fica com 80% da arrecadação dos valores pagos pelos motoristas e os outros 20% vão para as plataformas credenciadas para operacionalizar a Zona Azul. Em 2019 foram arrecadados R$ 3.556 milhões, 96,7% a mais que os R$ 1.807.480,15 contabilizados em 2018. Com os recursos foram adquiridos balizadores e cones, e custeada a implantação de 130 novas estações do Bicicletar (o Bike PE de Fortaleza), entregues no primeiro semestre de 2020. A cidade passou de 80 para 210 estações, inclusive em locais onde a iniciativa privada nunca teve interesse em publicidade, como bairros da periferia da cidade.
Os recursos também vão para o Programa de Expansão da Malha Cicloviária, que já ampliou em 277% a rede cicloviária da cidade. Em 2012 eram apenas 68,2 km e agora são 384 km: sendo 121 km de ciclovias, 251,5 km de ciclofaixas, 11,3 km de ciclorrotas e 0,2 km de passeio compartilhado. Ultrapassou, inclusive, a meta para 2020 que era de 236 km. Queria ter chegado até o fim daquele ano em 400 km, o que não foi possível. Mesmo assim, o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) da cidade prevê que Fortaleza conte com, no mínimo, 524 km de malha cicloviária disponível até 2030.