Trânsito, transportes e mobilidade urbana, com Roberta Soares

Mobilidade

Por Roberta Soares e equipe
COLUNA MOBILIDADE

Zona Azul: projeto de lei que previa destinar arrecadação para implantar ciclofaixas no Recife sofre derrota

Como previsto, resistência da Prefeitura do Recife ao projeto predominou nas comissões da Câmara de Vereadores

Cadastrado por

Roberta Soares

Publicado em 20/08/2021 às 17:23 | Atualizado em 20/08/2021 às 17:24
ESTACIONAMENTO Motorista precisa ficar atento se vaga é 2 ou 5 horas - GUGA MATOS/ACERVO JC IMAGEM

O projeto de lei que previa colocar o automóvel para financiar a política de ciclomobilidade no Recife através da destinação da arrecadação com o estacionamento rotativo Zona Azul deverá ser engavetado pelos próprios vereadores da capital. Embora tenha sido aprovado pela Comissão de Mobilidade da Câmara Municipal, a proposta foi rejeitada por duas comissões da casa: Comissões de Finanças e de Legislação e Justiça. A proposta ainda irá a plenário, mas é pouco provável que seja aprovada. Infelizmente.

O PL 179/2021, de autoria do vereador Luís Eustáquio (PSB), determina que 100% dos recursos da venda do bilhete da Zona Azul sejam utilizados na implantação de infraestrutura para a bicicleta, como ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, além de políticas que estimulem o pedalar. Algo que, na visão de quem batalha pela ampliação da mobilidade sustentável, especialmente da mobilidade ativa, é justo. Na Comissão de Mobilidade, a proposta foi aprovada por três votos a um. Mas na de Finanças e de Legislação e Justiça, que têm o mesmo relator, o vereador Samuel Salazar (MDB), líder do governo na Casa, a alegação para rejeitar foi que o PL iria aumentar a despesa ou reduzir a receita do município. Além disso, só poderia ser proposto pelo Executivo municipal.

As resistências ao projeto eram esperadas porque a Prefeitura do Recife não tem interesse em abrir mão dos recursos da arrecadação com a Zona Azul - na ordem de R$ 7 milhões por ano - porque são eles que custeiam as despesas de operação da CTTU - Diego Nigro/PCR

As resistências ao projeto eram esperadas porque a Prefeitura do Recife não tem interesse em abrir mão dos recursos da arrecadação com a Zona Azul - na ordem de R$ 7 milhões por ano - porque são eles que custeiam as despesas de operação da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU). Ou seja, sem esse dinheiro o órgão gestor e operador do trânsito da capital não funciona. A ampliação da malha cicloviária e qualquer outra política voltada para a mobilidade por bicicleta é feita com a arrecadação das multas, prioritariamente voltada para a pavimentação de vias e, consequentemente, para o transporte individual.

Luís Eustáquio, por meio da assessoria de imprensa, informou que insistirá na proposta e a levará ao plenário para tentar que a maioria derrube os pareceres contrários. Mas as chances são poucas. Historicamente, sem o aval das comissões os projetos são ignorados pelos vereadores. Na prática, o Recife perdeu a chance de dar um passo importante na gestão da mobilidade da cidade. É importante destacar isso. Destinar os recursos da Zona Azul para a ciclomobilidade colocaria a capital pernambucana na vanguarda das cidades sustentáveis, com gestões que não apenas discursam, mas efetivamente priorizam os modais ativos. Algo fundamental e que, com a pandemia de covid-19, tornou-se imprescindível.

PROJETO ZONA AZUL/CICLOMOBILIDADE 1 (VALE) - ARTES JC

Fortaleza, no Ceará, faz a destinação desde 2018 e atualmente conta com uma malha cicloviária superior a 380 km.

O QUE PODERIA SER FEITO COM OS RECURSOS

As 4.880 vagas de estacionamento rotativo Zona Azul existentes atualmente no Recife resultaram numa arrecadação milionária: em 2019 foram R$ 7 milhões; em 2020 mais R$ 6,1 milhões e, em 2021, R$ 2,7 milhões até junho - queda resultante da menor circulação de pessoas na cidade como efeito da pandemia de covid-19. A arrecadação daria, por exemplo, para implementar totalmente um plano emergencial de ciclofaixas e ciclovias proposto pela Associação Metropolitana dos Ciclistas (Ameciclo) ainda em 2020, como uma solução de mobilidade sustentável para o pós-crise sanitária. Ao custo máximo de R$ 4 milhões, a Ameciclo propôs implantar rapidamente e sem muitas dificuldades quase 90 km de estrutura cicloviária na cidade, não só em vias calmas, mas nas grandes avenidas. E, como consequência, beneficiar 600 mil pessoas diretamente - o equivalente a 39% da população recifense.

O EXEMPLO DE FORTALEZA

Se o PL que propõe a destinação dos recursos da arrecadação da Zona Azul para a ciclomobilidade vingasse, o Recife seguiria os passados, mesmo atrasado, de Fortaleza, capital do Ceará. Nossos colegas cearenses já adotaram o modelo e têm se destacado no País com a política. Desde 2018, Fortaleza tem a Lei Municipal nº 10.752, que determina a destinação exclusiva de todo recurso arrecadado com o Sistema de Estacionamento Rotativo Zona Azul para o custeio da Política Cicloviária da Capital, que entre outros pontos inclui a criação e expansão de ciclofaixas e ciclovias. É a primeira cidade brasileira a ter o gesto de colocar o carro para subsidiar a bicicleta.

Fortaleza tem lei municipal desde 2018 que prevê a destinação dos recursos da Zona Azul para a ampliação da malha cicloviária da cidade. Foi a primeira do País - PREFEITURA DE FORTALEZA

A Prefeitura fica com 80% da arrecadação dos valores pagos pelos motoristas e os outros 20% vão para as plataformas credenciadas para operacionalizar a Zona Azul. Em 2019 foram arrecadados R$ 3.556 milhões, 96,7% a mais que os R$ 1.807.480,15 contabilizados em 2018. Com os recursos foram adquiridos balizadores e cones, e custeada a implantação de 130 novas estações do Bicicletar (o Bike PE de Fortaleza), entregues no primeiro semestre de 2020. A cidade passou de 80 para 210 estações, inclusive em locais onde a iniciativa privada nunca teve interesse em publicidade, como bairros da periferia da cidade.

Os recursos também vão para o Programa de Expansão da Malha Cicloviária, que já ampliou em 277% a rede cicloviária da cidade. Em 2012 eram apenas 68,2 km e agora são 384 km: sendo 121 km de ciclovias, 251,5 km de ciclofaixas, 11,3 km de ciclorrotas e 0,2 km de passeio compartilhado. Ultrapassou, inclusive, a meta para 2020 que era de 236 km. Queria ter chegado até o fim daquele ano em 400 km, o que não foi possível. Mesmo assim, o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) da cidade prevê que Fortaleza conte com, no mínimo, 524 km de malha cicloviária disponível até 2030.

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