Notícias sobre segurança pública em Pernambuco, por Raphael Guerra

Segurança

Por Raphael Guerra e equipe
VIOLÊNCIA

Radiografia de onde mais se mata no Recife

Bairros de Nova Descoberta e do Ibura convivem com o medo do crescimento do tráfico de drogas, que resulta também no aumento de mortes violentas

Cadastrado por

Raphael Guerra

Publicado em 23/05/2021 às 8:33
Capital pernambucana teve aumento de 10,58% no número de homicídios no primeiro quadrimestre de 2021 - DAY SANTOS/JC IMAGEM

Viver em meio à criminalidade e sob a ameaça de ser a próxima vítima da violência. É assim a realidade de milhares de moradores de bairros periféricos do Recife, onde a pobreza ganha cada vez mais espaço em meio ao desemprego acelerado pela pandemia da covid-19. Soma-se a isso o tráfico de drogas, comandado por facções que se rivalizam e tiram a vida de seus oponentes. Recife registrou 209 homicídios entre janeiro e abril - aumento de 10,58% se comparado com o mesmo período de 2020. Segundo a polícia, boa parte das mortes é resultado da disputa pelo domínio do tráfico, a exemplo do que ocorre nos bairros de Nova Descoberta e no Ibura.

O crime ocorreu na Rua Soldado Virgílio Lúcio - ALEX OLIVEIRA

IBURA

Em bairros periféricos da Zona Sul do Recife, a violência está presente e alinhada ao tráfico de drogas. No Ibura, onde houve ao menos dez assassinatos entre janeiro e abril deste ano, segundo o Instituto Fogo Cruzado, moradores conhecem de bem perto o perigo. E, como podem, tentam driblar as adversidades para sobreviver. 

O bairro, que tem mais de 50 mil habitantes, foi o segundo da capital pernambucana com maior número de mortes violentas neste ano - desafiando a polícia nas ações de repressão. A Secretaria de Defesa Social (SDS) não informa dados oficiais sobre esses homicídios. 

O delegado Bruno de Ugalde, titular da 4ª Delegacia de Homicídios, diz que a disputa entre organizações criminosas pelo domínio do tráfico de drogas no bairro ainda é forte, o que resulta em parte dos homicídios. "Quase todos os casos têm relação com as drogas. Grupos rivais ficam disputando espaço e, por isso, matam. Quando os assassinatos diminuem um pouco é porque uma quadrilha está prevalecendo", explica. Segundo ele, pessoas também foram mortas, recentemente, por dívidas de drogas.

O delegado destaca que, nos últimos anos, apesar do crescimento de homicídios, várias operações de repressão qualificada foram realizadas no Ibura. "A polícia deu uma 'sufocada' no tráfico."

Essas ações foram necessárias porque, em 2018, moradores de Vila dos Milagres, no Ibura, viveram momentos de terror. Lá, um grupo, ostentando armas de grosso calibre, ameaçavam e ditavam regras.
Ainda há áreas no bairro que o acesso é difícil e os moradores relatam se sentirem aterrorizados. No entanto, a 'lei do silêncio', que impera nos bairros mais violentos, impede que muitos deles se identifiquem e contem situações que vivenciam todos os dias.

Apesar da forte presença do tráfico de drogas na localidade, a Polícia Militar diz que garante o "policiamento ostensivo por meio de Guarnições Táticas, diuturnamente. Equipes do Grupo de Apoio Tático Itinerante (GATI) realizam rondas e abordagens", informa, por nota.

VIOLÊNCIA - THIAGO LUCAS/ ARTES JC

Lídia Lins, moradora do bairro e integrante do Coletivo Ibura Mais Cultura, avalia que a violência, neste período de pandemia da covid-19, aumentou. "A dinâmica da violência sempre existiu, mas cresceu também por causa do desemprego", relata.

Criado em 2017 por jovens negros do Ibura, o coletivo tem o objetivo de unir a arte e educação como meio de mudar a vida de quem vive no bairro. Debates sobre gênero, sexualidade e cultura de paz, além de intervenções culturais, fazem parte do conjunto de ações para transformar a rotina e o olhar dos moradores.

"O coletivo faz intervenções que atingem todos os públicos. Então há sarau, grafitagem, maracatu. São atividades diversas e que contribuem para essa transformação social", descreve. Por causa da pandemia, no entanto, esse trabalho precisou ser interrompido. E o grupo, menor, se dedica à entrega de cestas básicas.

A Secretaria de Políticas de Prevenção à Violência e às Drogas, do governo do estado, afirma que tem o bairro do Ibura como prioritário. Além de oficinas e cursos de formação profissional, também leva à localidade o Programa de Atenção Integral aos Usuários de Drogas, com "atendimento aos usuários de crack, álcool e outras drogas, com grande exposição à violência".

Para reforçar a cultura de paz, a prefeitura do Recife prevê a construção de um Centro Comunitário da Paz (Compaz) no bairro. O equipamento, sem previsão de inauguração, terá um edifício com três pavimentos e contará com biblioteca, artes marciais, Procon, sala de mediação de conflitos, oficina profissionalizante, entre outros espaços.

NOVA DESCOBERTA

DESIGUALDADE Bairro periférico da Zona Norte da capital, Nova Descoberta convive com o tráfico de drogas, que eleva o medo dos moradores - DAY SANTOS/JC IMAGEM

De dia, a movimentação pelo comércio de rua despista um pouco a criminalidade que ronda o bairro de Nova Descoberta, Zona Norte do Recife. Mas à noite não há como desviar dos sinais: o consumo e o tráfico de drogas imperam e inibem a circulação de pessoas pelas ruas. Com medo, moradores se trancam em casa. Somente nos quatro primeiros meses do ano, pelo menos 11 pessoas foram assassinadas em Nova Descoberta, segundo o Instituto Fogo Cruzado. O bairro registrou o maior número de mortes na capital. 

Moradores ouvidos pelo JC, sob anonimato, relatam que o tráfico de drogas é uma preocupação antiga, mas que se intensificou nos últimos três anos, inclusive com aliciamento de adolescentes. A polícia reconheceu o problema, apontando a atividade criminal relacionada às drogas como principal motivador de tantas mortes no bairro, que tem aproximadamente 34 mil habitantes, segundo o último Censo Demográfico.

"Mapeamos e descobrimos que existia uma disputa pelo tráfico de drogas entre grupos rivais. Identificamos detentos que estariam envolvidos e agindo livremente dentro do presídio. Conseguimos, junto à Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), a transferência deles para o Presídio de Itaquitinga (de segurança máxima)", explica o gestor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Bruno Magalhães.

Em 30 de abril deste ano, sete homens - todos armados - assassinaram a tiros um adolescente de 16 anos na comunidade do Córrego do Eucalipto, localizada em Nova Descoberta. Uma mulher de 33 anos e um homem de 50 também foram baleados durante a confusão, mas sobreviveram. Na mesma semana, três suspeitos foram presos, mas motivação do crime não foi revelada. Questionada, a Polícia Civil não informou quantas das 11 mortes foram solucionadas no bairro.

A SDS afirma que há "ação integrada de policiamento ostensivo, especializado, operações de repressão qualificada, cumprimento de mandados e desarticulação de quadrilhas". Mesmo com esse reforço de policiamento, dito pela SDS, moradores continuam temerosos. Cadeados reforçados e câmeras podem ser vistos com facilidade nos imóveis.

VIOLÊNCIA - THIAGO LUCAS/ ARTES JC

O aposentado Edmilson Paixão é um dos que tomou medidas de segurança. "E sair à noite a gente não sai mais por causa da violência", diz.

Para a socióloga e coordenadora do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá, o aumento da violência não é solucionado apenas com repressão da polícia. "A pandemia aumentou a desigualdade e a pobreza, que historicamente atingem primeiro as cidades com mais de 100 mil habitantes. A pobreza eleva a violência, porque muita gente entra para o mundo das drogas para sobreviver."

Em meio à situação de vulnerabilidade social, o Movimento Pró-Criança, instituição sem fins lucrativos vinculada à Arquidiocese de Olinda e Recife, vai oferecer cursos gratuitos no bairro. Como primeira iniciativa, haverá aulas de capoeira para crianças e adolescentes com idades entre 7 e 17 anos, em parceria com a Paróquia Nossa Senhor de Lourdes. A previsão é de que curso comece no próximo mês.

"É uma forma de garantir, à criança e ao adolescente, cidadania, protagonismo e transformação social", diz Betânia Miranda, assistente social da entidade.

 

 

 

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