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A pandemia de gripe espanhola, mesmo já arrefecida, estava ativa no Brasil e em Pernambuco quando o Jornal do Commercio entrou em circulação, em 3 de abril de 1919. Embora em outro contexto histórico, a influenza do início do século 20 também levou, assim como a covid, a uma desorganização econômica e social, que concorreu diretamente com o impacto sobre o sistema de saúde.
Registros e relatos sobre aquela época revelam a imensa dificuldade das equipes dos serviços de saúde em atender as pessoas doentes e o escorrego dos governantes para coordenar as ações e criar políticas efetivas para a saúde pública.
Ainda assim, foi a pandemia da gripe espanhola que destravou o debate sobre a criação, efetivada em 1919, do Departamento Nacional de Saúde Pública. E dessa maneira, pesquisadores resgataram que a gripe espanhola expôs os limites e levou a uma valorização do sistema público de saúde.
Problemas seculares
Mas por que fiz todo esse preâmbulo?
Porque quis mostrar que mais de 100 anos se passaram e continuamos a relatar, aqui no Jornal do Commercio, as mesmas dificuldades enfrentadas na Saúde e que chegam para a reportagem especialmente pelas vozes de quem mais sofre com velhos problemas, como um acesso limitado à saúde e uma infraestrutura precária.
Vamos olhar para os determinantes sociais em saúde
Ainda há um fator que agrava as questões sanitárias: os determinantes sociais em saúde - um conceito da área de saúde pública que sempre chama a minha atenção e que deveria saltar aos olhos dos nossos governantes.
Num Estado onde poucos têm muito e muitos têm quase nada, essa discrepância é refletida e impacta negativamente a saúde da população.
Água tratada, saneamento básico, trabalho, educação, transporte de qualidade e lazer são fatores que determinam a qualidade de vida das pessoas - e a todo esse universo chamamos de determinantes sociais em saúde.
Questões sociais
Na prática, isso é entrelaçado por situações vividas por milhares de pessoas.
Quantos pacientes deixam de ir a uma consulta médica especializada (geralmente em grandes hospitais, visto que os postos de saúde são voltados a atendimentos básicos) por não terem como pagar o transporte até o local? Quantos pacientes não comparecem a clínicas para realização de exames por não terem com quem deixar as crianças?
Além dos indicadores clínicos
Não adianta o gestor pensar na Saúde sem considerar essa vulnerabilidade, que exige repensar nas estruturas de redes de saúde e linhas de cuidado. O secretariado dos governos precisa caminhar de mãos dadas porque os determinantes sociais em saúde vão além dos indicadores clínicos (ou seja, além do binômio saúde/doença).
Condições sociais, econômicas e ambientais (destaco mais uma vez que são: moradia, educação, estrutura familiar, renda e outras variantes) impactam a saúde individual e populacional.
Para aumentar a cobertura vacinal
Ao noticiarmos o quanto é importante Educação e Saúde pensarem juntas em estratégias para aumentar a cobertura vacinal, por exemplo, é porque sabemos o quanto é fundamental as crianças e os adolescentes receberem a imunização nas escolas, onde passam boa parte do dia.
Com os postos de saúde em funcionamento apenas em horário comercial, a maioria das famílias não consegue vacinar os pequenos porque as salas de imunização já estão fechadas quando o expediente de trabalho termina.
Para facilitar o acesso
Se reportamos a importância de os gestores repensarem a implementação de um terceiro turno na atenção básica (ou seja, horário estendido a partir das 17h) é porque queremos facilitar o acesso aos cuidados com a saúde para aquelas pessoas que trabalham ao longo do dia e só podem ser atendidos no turno da noite.
No entanto, é imprescindível que sejam oferecidas boas condições de trabalho, o que inclui a segurança para os profissionais e os pacientes. E claro que, para ampliar o turno, é necessário aumentar o quadro de pessoal e/ou a carga horária de trabalho, assim como ofertar salário compatível.
Uma doença endêmica num país desigual
Sob a ótica dos determinantessociais em saúde, ainda trago como reflexão a situação do enfrentamento às doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, como dengue, zika e chikungunya.
Essas arboviroses colocam em evidência alguns dos grandes problemas urbanos: alta concentração demográfica e falta de saneamento básico.
A culpa é sempre do outro?
Esse cenário diz muito sobre o fato de as autoridades nunca terem controlado a questão da dengue. Por que tanto se culpabiliza a população, com o discurso de que as epidemias se espalham porque "80% dos criadouros do mosquitoestão dentro das residências"? Que grave! É preciso acabar com essa práticarecorrente de se atribuir responsabilidade às pessoas sobre a própria condição de saúde.
O enfrentamento ao Aedes é falho porque é errado as estratégias de saúde focarem as ações no mosquito, e não nas condições que propiciam a sua proliferação, como ausência de saneamento, oferta de água intermitente, acúmulo de lixo, limpeza urbana e falta de drenagem, entre outras questões. Mais uma vez, é um panorama ligado aos determinantes sociais em saúde.
Queremos uma política sanitária para todos
Tudo relatado nesta análise evidencia a urgência de uma política sanitária para além dos limites do binômio saúde-doença. É uma visão que aponta para um cenário que exige um olhar amplo para a estrutura da saúde pública.
Pessoas mais expostas a condições socioeconômicas menos favoráveis têm mais dificuldades e desafios para realizar um tratamento de maneira ideal, o que tende a colocá-las em um contexto de risco de saúde.
Mas esse olhar que trago, neste texto que marca os 105 anos de coberturas do Jornal do Commercio, não é novidade. Basta a gente voltar ao início deste artigo e refletir que é secular o processo ter saúde/ser doente. O Sistema Único de Saúde (SUS) faz referência aos determinantes sociais de saúde há anos, mas infelizmente a prática ainda difere da teoria.
A importância do SUS
Em setembro deste ano, o SUS completa 34 anos de serviços aos brasileiros. A Lei nº 8.080 de 1990 regulamentou a saúde pública, igualitária e universal para todos os que vivem no País, ao abranger desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial até o transplante de órgãos.
A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, prevenção e promoção da saúde.
Integralidade
Mas muito ainda precisa ser feito: os gestores e as autoridades sanitárias devem sensibilizar e qualificar as equipes para ter um olhar diferenciado de acordo com as necessidades de cada pessoa. E com uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos.
Só assim será possível colocar em prática um dos princípios do SUS: a integralidade - que é acolher as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades, sem se limitar à ausência de doenças.
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