Em mais uma decisão desfavorável à Uber, o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT7), com sede no Ceará, condenou a big tech estadunidense a indenizar em R$ 676 mil, por danos morais e materiais, a mãe de um motorista assassinado durante uma corrida pelo aplicativo.
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A decisão foi tomada por unanimidade pelos desembargadores da 3ª Turma do tribunal no último dia 15 de setembro de 2021, atendendo um pedido da família do condutor, que foi torturado e morto com 19 tiros, em julho de 2018, em Fortaleza.
Na ação movida pelos familiares, é relatado que o homem trabalhava exclusivamente transportando passageiros intermediado pela plataforma da Uber, com rendimento mensal entre R$ 3 mil e R$ 3,5 mil. Na petição, os autores da ação afirmam que esse dinheiro era usado para sustento do motorista e de sua mãe, com quem morava.
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Para justificar o pedido de indenização, a família argumentou que a morte aconteceu por causa de um acidente de trabalho, já que havia relação trabalhista entre a empresa e o motorista. Nesse sentido, os familiares disseram ainda que a Uber deixou de garantir um ambiente seguro e livre de acidentes de trabalho e pediram que fosse aplicada a chamada “teoria da responsabilidade objetiva”.
Em contrapartida, a Uber disse que o motorista nunca prestou serviços à plataforma, tendo, na verdade, contratado "a intermediação da plataforma para realizar o transporte de passageiros". Assim, na avaliação da companhia, não haveria motivos para a indenização.
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Ainda segundo a empresa, o trabalhador sempre teve autonomia para aceitar e recusar viagens e não houve ingerência do aplicativo no horário e local em que ele foi morto. “Trata-se de um motorista independente, que, nessa condição, assumiu todos os riscos de sua atividade profissional pessoal”, justificou a Uber.
Decisão
O relator do caso, desembargador Clóvis Valença Alves Filho, porém, discordou dos argumentos da Uber. Para o magistrado, não há dúvidas de que a profissão da vítima, motorista de aplicativo, foi determinante para que os assassinos cometessem o crime. "Resta imperioso se reconhecer a responsabilidade da empresa pelo evento danoso, decorrente de violência sofrida durante a realização de suas atividades", escreveu Alves Filho, em um trecho de sua decisão.
Além disso, o desembargador afirmou que ao contratar seguro para os motoristas inscritos na plataforma, a Uber se considerou responsável pelos profissionais, considerados por ela como parceiros.
"Essa contratação de seguro em prol dos motoristas de aplicativos nada mais revela do que a assunção de responsabilidade da empresa pelos aludidos profissionais, considerados por ela como parceiros. Ora, ao considerar os motoristas como parceiros e contratar seguro para protegê-los, a Uber reconhece, ainda que indiretamente, a responsabilidade pelos eventuais danos por eles sofridos", escreveu o magistrado.
“Nesse contexto, não podemos afirmar que o assalto que culminou com a morte do filho da recorrente possa ser considerado um fato de terceiro, extraordinário e estranho ao desempenho da atividade de motorista por aplicativo”, pontuou ainda o desembargador em seu voto.
Diante disso, Alves Filho determinou o pagamento de R$ 150 mil de danos morais e de danos materiais calculados da seguinte forma: 2/3 sobre o valor do salário arbitrado em R$ 3 mil até que o motorista completasse 25 anos, e a partir dos 25 anos até a idade de 75 anos, aplica-se a fração de 1/3, em termos vencidos e vincendos, de forma que o valor total da condenação foi calculado em R$ 676 mil.
Em nota enviada ao JC, a Uber afirmou que não foi notificada da decisão do TRT7, mas que recorrerá assim que tomar oficialmente conhecimento do acórdão.
Além disso, a big tech disse que 'causa estranheza que o documento tenha sido divulgado à imprensa antes de ser cumprido o rito jurídico de dar ciência às partes sobre o resultado de um processo judicial'. Vale frisar, porém, que a decisão está disponível a qualquer pessoa que acessar o portal do Processo Judicial eletrônico (PJe) do TRT7.
Na nota, a empresa também lembrou decisões em que o Judiciário reitera não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros devido à inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício.
Leia a íntegra da nota:
"A Uber esclarece que não foi notificada sobre a decisão mencionada, portanto causa estranheza que o documento tenha sido divulgado à imprensa antes de ser cumprido o rito jurídico de dar ciência às partes sobre o resultado de um processo judicial.
Após tomar conhecimento do acórdão do TRT do Ceará, a Uber informa que vai recorrer da decisão, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por diversos Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Existe sólida jurisprudência no Poder Judiciário determinando que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização contra a Uber em que não haja pedido de reconhecimento de vínculo ou de relação trabalhista, como é o presente caso. A decisão mais recente neste sentido foi proferida no início de setembro pelo STJ.
Independentemente disso, segurança é prioridade para a Uber. No caso relatado no processo em questão, a família do motorista parceiro Ericson Ewerton Tavares de Souza recebeu o valor correspondente à cobertura do seguro de acidentes pessoais exigido na regulamentação dos aplicativos (Lei 13.640/18) e mantido pela Uber, em parceria com a Chubb. Este seguro é oferecido sem nenhum ônus a todos os parceiros e usuários, e cobre todas as viagens ou entregas intermediadas pela plataforma, tanto para motoristas e entregadores parceiros, que possuem uma relação comercial com o aplicativo, quanto para os próprios usuários. A apólice também indeniza independente da apuração de culpa ou responsabilidade pelo acidente. Ocorrendo um acidente pessoal com um parceiro ou usuário da plataforma, a seguradora efetuará o pagamento da indenização securitária correspondente.
Vínculo empregatício
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira vêm reiterando que não há relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros devido à inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 1.310 decisões neste sentido, incluindo quatro julgamentos no TST (Tribunal Superior do Trabalho).
No mais recente deles, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode "ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse". Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".
Entendimento semelhante já foi adotado em julgamentos do TST em fevereiro e setembro de 2020, e também pelo STJ em outros quatro julgamentos - o primeiro deles em 2019."