JUSTIÇA TRABALHISTA

Uber é condenada a pagar indenização de mais de R$ 600 mil a mãe de motorista assassinado em corrida

A decisão foi tomada por unanimidade pelos desembargadores da 3ª Turma do TRT7, com sede no Ceará, no último dia 15 de setembro de 2021

Cadastrado por

Marcelo Aprígio

Publicado em 28/09/2021 às 10:29 | Atualizado em 29/09/2021 às 18:36
Os motoristas e entregadores não gostaram da proposta. Acharam os valores apresentados baixos e ameaçam realizar protestos pelo País - FILIPE JORDÃO/JCIMAGEM

Em mais uma decisão desfavorável à Uber, o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT7), com sede no Ceará, condenou a big tech estadunidense a indenizar em R$ 676 mil, por danos morais e materiais, a mãe de um motorista assassinado durante uma corrida pelo aplicativo.

A decisão foi tomada por unanimidade pelos desembargadores da 3ª Turma do tribunal no último dia 15 de setembro de 2021, atendendo um pedido da família do condutor, que foi torturado e morto com 19 tiros, em julho de 2018, em Fortaleza.

Na ação movida pelos familiares, é relatado que o homem trabalhava exclusivamente transportando passageiros intermediado pela plataforma da Uber, com rendimento mensal entre R$ 3 mil e R$ 3,5 mil. Na petição, os autores da ação afirmam que esse dinheiro era usado para sustento do motorista e de sua mãe, com quem morava.

Para justificar o pedido de indenização, a família argumentou que a morte aconteceu por causa de um acidente de trabalho, já que havia relação trabalhista entre a empresa e o motorista. Nesse sentido, os familiares disseram ainda que a Uber deixou de garantir um ambiente seguro e livre de acidentes de trabalho e pediram que fosse aplicada a chamada “teoria da responsabilidade objetiva”.

Em contrapartida, a Uber disse que o motorista nunca prestou serviços à plataforma, tendo, na verdade, contratado "a intermediação da plataforma para realizar o transporte de passageiros". Assim, na avaliação da companhia, não haveria motivos para a indenização.

Ainda segundo a empresa, o trabalhador sempre teve autonomia para aceitar e recusar viagens e não houve ingerência do aplicativo no horário e local em que ele foi morto. “Trata-se de um motorista independente, que, nessa condição, assumiu todos os riscos de sua atividade profissional pessoal”, justificou a Uber.

Decisão

O relator do caso, desembargador Clóvis Valença Alves Filho, porém, discordou dos argumentos da Uber. Para o magistrado, não há dúvidas de que a profissão da vítima, motorista de aplicativo, foi determinante para que os assassinos cometessem o crime. "Resta imperioso se reconhecer a responsabilidade da empresa pelo evento danoso, decorrente de violência sofrida durante a realização de suas atividades", escreveu Alves Filho, em um trecho de sua decisão.

Além disso, o desembargador afirmou que ao contratar seguro para os motoristas inscritos na plataforma, a Uber se considerou responsável pelos profissionais, considerados por ela como parceiros.

"Essa contratação de seguro em prol dos motoristas de aplicativos nada mais revela do que a assunção de responsabilidade da empresa pelos aludidos profissionais, considerados por ela como parceiros. Ora, ao considerar os motoristas como parceiros e contratar seguro para protegê-los, a Uber reconhece, ainda que indiretamente, a responsabilidade pelos eventuais danos por eles sofridos", escreveu o magistrado.

“Nesse contexto, não podemos afirmar que o assalto que culminou com a morte do filho da recorrente possa ser considerado um fato de terceiro, extraordinário e estranho ao desempenho da atividade de motorista por aplicativo”, pontuou ainda o desembargador em seu voto.

Diante disso, Alves Filho determinou o pagamento de R$ 150 mil de danos morais e de danos materiais calculados da seguinte forma: 2/3 sobre o valor do salário arbitrado em R$ 3 mil até que o motorista completasse 25 anos, e a partir dos 25 anos até a idade de 75 anos, aplica-se a fração de 1/3, em termos vencidos e vincendos, de forma que o valor total da condenação foi calculado em R$ 676 mil.

Em nota enviada ao JC, a Uber afirmou que não foi notificada da decisão do TRT7, mas que recorrerá assim que tomar oficialmente conhecimento do acórdão.

Além disso, a big tech disse que 'causa estranheza que o documento tenha sido divulgado à imprensa antes de ser cumprido o rito jurídico de dar ciência às partes sobre o resultado de um processo judicial'. Vale frisar, porém, que a decisão está disponível a qualquer pessoa que acessar o portal do Processo Judicial eletrônico (PJe) do TRT7.

Na nota, a empresa também lembrou decisões em que o Judiciário reitera não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros devido à inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício.

Leia a íntegra da nota:

"A Uber esclarece que não foi notificada sobre a decisão mencionada, portanto causa estranheza que o documento tenha sido divulgado à imprensa antes de ser cumprido o rito jurídico de dar ciência às partes sobre o resultado de um processo judicial.

Após tomar conhecimento do acórdão do TRT do Ceará, a Uber informa que vai recorrer da decisão, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por diversos Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Existe sólida jurisprudência no Poder Judiciário determinando que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização contra a Uber em que não haja pedido de reconhecimento de vínculo ou de relação trabalhista, como é o presente caso. A decisão mais recente neste sentido foi proferida no início de setembro pelo STJ.

Independentemente disso, segurança é prioridade para a Uber. No caso relatado no processo em questão, a família do motorista parceiro Ericson Ewerton Tavares de Souza recebeu o valor correspondente à cobertura do seguro de acidentes pessoais exigido na regulamentação dos aplicativos (Lei 13.640/18) e mantido pela Uber, em parceria com a Chubb. Este seguro é oferecido sem nenhum ônus a todos os parceiros e usuários, e cobre todas as viagens ou entregas intermediadas pela plataforma, tanto para motoristas e entregadores parceiros, que possuem uma relação comercial com o aplicativo, quanto para os próprios usuários. A apólice também indeniza independente da apuração de culpa ou responsabilidade pelo acidente. Ocorrendo um acidente pessoal com um parceiro ou usuário da plataforma, a seguradora efetuará o pagamento da indenização securitária correspondente.

Vínculo empregatício

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira vêm reiterando que não há relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros devido à inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 1.310 decisões neste sentido, incluindo quatro julgamentos no TST (Tribunal Superior do Trabalho).

No mais recente deles, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode "ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse". Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".

Entendimento semelhante já foi adotado em julgamentos do TST em fevereiro e setembro de 2020, e também pelo STJ em outros quatro julgamentos - o primeiro deles em 2019."

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