Não havia dúvidas de que o “Viva a Guararapes” seria um sucesso desde o anúncio. Com uma população que passou quase dois anos dentro de casa por causa da pandemia da covid-19 e que viu sua renda reduzir drasticamente pela alta da inflação e do desemprego, uma nova opção de lazer gratuita e ao ar livre parecia a fórmula perfeita. Mas o resultado do projeto vai além disso: demonstra a carência que os cidadãos do Recife têm em poder ocupar os espaços públicos e a capacidade histórica do Centro em atrai-los.
Milhares de pessoas passaram pelo local nesse domingo, 10 de abril, das 9h às 17h30. Nesse período, uma das avenidas mais importantes da capital pernambucana permaneceu fechada à passagem de veículos para oferecer atividades culturais, esportivas e gastronômicas para todas as idades e gostos, promovendo a ocupação do tão esquecido e degradado Bairro de Santo Antônio.
Para se ter uma ideia, a gestão afirmou que foi ao evento a média de pessoas que visita o Bairro do Recife nos fins de semana — que, inclusive, não perdeu público, porque aparentemente estava tão lotado quanto nos outros dias. Ou seja, a ação levou mais gente a sair às ruas. E, com isso, todo mundo ganha. A população ganha lazer, o comércio ganha a oportunidade de alavancar as vendas (não lembrava a última vez que tinha visto alguma das lanchonetes da Guararapes aberta), e a cidade como um todo ganha movimento e segurança urbana.
Só que faltam condições não só no Recife, mas na Região Metropolitana como um todo, para que as pessoas ocupem as ruas. Alguns dos principais motivos, quase “crônicos”, são de competência municipal e estadual, como a sensação justificada de falta de segurança e a má cobertura de transporte público; que, com um metrô deficitário, funciona basicamente por ônibus que custam caro aos passageiros, são estruturalmente precários e têm frota reduzida aos sábados, domingos e feriados.
A dificuldade de acesso e de permanência ainda é elevada à potência máxima no Centro da capital, que vem sofrendo um longo processo de degradação há décadas. Aos olhos do público, o polo cultural montado na Avenida Guararapes foi, até agora, a maior ação entregue pelo Recentro — programa criado em dezembro de 2021 pela Prefeitura do Recife que visa devolver, com ações de curto e longo prazo, a habitabilidade (em todos os sentidos) à região histórica da cidade — ainda que haja um longo caminho pela frente.
A Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, que é reservada à passagem de pedestres e ciclistas todos os domingos, hoje já recebe artistas de rua, vendedores ambulantes e até mesmo shows e aulas de ginástica espontaneamente, sem precisarem ser promovidos pela Prefeitura da cidade. Ainda, é repleta de restaurantes, museus e lojas, o que torna o fluxo de pessoas alto nos finais de semana, não tendo como único fim a visita à Avenida, mas fazendo com que o público passe por ela de alguma forma. O oposto da Guararapes.
Ainda assim, o esforço da Prefeitura do Recife em torná-la um espaço vivo foi bem sucedido na primeira edição; a quantidade de elogios é imensamente superior às críticas. O clima foi de diversão do começo ao fim, e os dez polos temáticos deram conta de atrair diferentes públicos e classes sociais. Com sorte, os empreendedores que habitam a via recifense também podem se sentir mais seguros a ponto instalarem novos pontos comerciais, por exemplo, e fazer com que o "Viva a Guararapes" não seja o único destino de quem deseja passear pelo Bairro de Santo Antônio neste dia.
Sobretudo, não se pode perder o principal objetivo de vista: a urgência da reocupação dos bairros centrais da cidade de domingo a domingo e em todos os horários do dia. E isso só acontecerá a partir de um plano estruturado para promover habitação na região, o que segue em fase de elaboração pelo Recentro. Sem isso, teremos apenas mais um ponto turístico sem dono e morto nos outros dias da semana, como é o Marco Zero. Por ora, é importante que os cidadãos se conectem, de algum modo, com o coração da cidade, criando memória e afeto. Um feito que o “Viva a Guararapes” conseguiu realizar.
*Katarina Moraes, jornalista e repórter de Cidades no JC.