Cinco dias oficiais de folia são capazes de mexer em toda estrutura de uma cidade. No Carnaval, as então pacatas ruas do Sítio Histórico ficam irreconhecíveis, com vizinhos que sabem os nomes uns dos outros recebendo na porta de casa uma multidão de estranhos, com linhas de ônibus criadas para atender toda a demanda de mobilidade até os blocos, e grande efetivo policial sendo deslocado até o local. A dinâmica que foi rompida pela primeira vez em 2021 por causa da pandemia, todavia, pode voltar já no próximo ano, segundo sinalizou a Prefeitura de Olinda - mesmo que hoje a covid-19 ainda circule no Estado. E, caso aconteça, como a cidade estará para recebê-la novamente?
Para responder a esta pergunta, a reportagem do JC visitou a Cidade Alta, que estava, no geral, em bom estado de conservação. Eram poucos os muros pichados e as calçadas com lixo, mas o dançarino França Filho, de 52 anos, pontuou: ”pegaram um dia bom”, porque certas vezes as ruas estão muito sujas, segundo ele. Apesar de carnavalesco, ele disse que o período sem multidões trouxe tranquilidade para os vizinhos, mas que já paira na área a expectativa pelas festas de momo. “A gente sente um certo alívio em poder caminhar sossegado em todos os dias e horários, o que não acontece no Carnaval. [...] As pessoas já se movimentam com esperança como se já fosse ter”, contou.
Diferentemente do Recife, que tem o centro em situação de abandono, como o JC já noticiou diversas vezes, a parte histórica de Olinda continua a ser habitada, com as coloridas casas ocupadas por famílias, o que faz com que os próprios moradores também cuidem do espaço. Entretanto, para o cozinheiro e morador do Quatro Cantos Ivo Sabino, faltam ações por parte do poder público. “Falta manutenção nas ruas, estão com muito buraco. Na [Rua] Henrique Dias tem um. Na 13 de maio, tem outro. Tem muita polícia, mas só à noite e para controlar os bares. Não vemos o mesmo fluxo em outros horários”, pontuou.
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Antes até que a reportagem perguntasse, moradores e comerciantes explicavam uma tendência antiga das gestões da cidade de começar a cuidar do patrimônio público nos meses que antecedem ao período carnavalesco - que é que parece já acontecer agora. “Quando vai chegando o carnaval, tapam buracos, organizam uma coisa ou outra. Tudo para parecer que é uma cidade agradável e de constante limpeza. Mas como moradores não vemos isso. Para nós a normalidade é outra”, disse o restaurador conhecido como Jorge da Pedra, que mora há 52 anos em Olinda.
Alguns dos descuidos encontrados no Centro são, para Gilson José da Silva, que vende artesanato no Alto da Sé, de responsabilidade dos próprios residentes, como lixos no chão, mas o comerciante também cobra maior atenção da Prefeitura. “A iluminação aqui não tá boa não, e nem a segurança. Aqui só tem um rapaz na limpeza, e é muito trabalho para ele, não dá para dar conta. Esses dias arrombaram a própria a guarita da polícia. Sinal de que não tem policial, que fica ali decorando. A gente merecia uma coisa melhor, até porque aqui é um cartão postal. A gente queria umas barraquinhas mais bem feitas, que não dessem tanto trabalho para cobrir na chuva”, pediu.
Na Sé o tráfego será, inclusive, exclusivo para pedestres nos finais de semana, a partir de 9 de outubro. O acesso aos veículos fica proibido das 14h até às 20h dos sábados e domingos. Nesse período, somente moradores podem entrar de carro no ponto turístico. Serão permitidas, ainda, operações de carga e descarga no local. Medida semelhante já foi adotada na capital pernambucana em ruas como a do Bom Jesus e na Avenida Rio Branco, ambas no Bairro do Recife.
Em vários outros pontos da Cidade Alta, como em frente à Igreja Nossa Senhora do Amparo, as placas informativas para turistas estavam danificadas, seja por depredação ou pela ação do tempo e do sol. O problema se repetiu na Praça do Carmo, onde também havia duas esculturas de figuras romanas pichadas, e os bancos quebrados. No piso de pedras portuguesas, muitos buracos - que eram consertados por um funcionário da prefeitura. As luzes tinham sido trocadas no dia anterior à visita, de acordo com o vendedor ambulante Wellington Leal, 39. “Ontem chegou a iluminação na praça e podaram as árvores. A fonte voltou a funcionar à noite”. “Aqui no Sítio Histórico tem seis meses de fluxo e manutenção, e seis meses sem. Eles (o poder público) não olham porque o turismo enfraquece, e só vêm fazer [melhorias] perto das festas”, avaliou.
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A praça é, inclusive, um dos pontos que recebe melhorias por meio do plano “Vamos Olindar”, apresentado na última quarta-feira (6) pelo prefeito Professor Lupércio (Solidariedade). Nela, são feitos restauro do coreto, paisagismo, revitalização de brinquedos, calçadas, bancos e equipamentos de exercícios. O prazo para finalização dos serviços é de um mês. Por nota, a Prefeitura de Olinda informou que a "requalificação das placas informativas está na fase de aguardo da liberação dos recursos para ser implementada e deve ser concluída no início de 2022". O mesmo prazo foi dado à obra na Igreja de São Pedro, tocada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que, segundo a gestão, "está em fase de últimas liberações de recursos para terminar". Já o Mercado da Ribeira está com o projeto pronto e na fase de captação de recursos.
Disse também que, para manter os equipamentos em ordem, a Secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo realiza intervenções semanais. "A Prefeitura está implementando um Núcleo Administrativo do Sítio Histórico. Ele será composto por equipe de manutenção preventiva e corretiva, time de profissionais integrados nas áreas de segurança, limpeza, iluminação e manutenção de vias públicas. A dedicação será exclusiva para atender as demandas de todo perímetro", garantiu. Na coletiva de imprensa, a gestão ainda prometeu investimentos no fomento de roteiros turísticos. Em clima de expectativa pelo Carnaval, as ações têm como objetivo alavancar o turismo na cidade. Na ocasião, Lupércio disse estar preparado para “fazer o melhor Carnaval”, ainda que siga acompanhando os índices epidemiológicos da covid-19.