Julgamento

CASO TAMARINEIRA: tudo sobre o julgamento do responsável pela colisão que matou três pessoas e feriu duas

A pena determinada foi de 29 anos, quatro meses e 24 dias de prisão em regime inicialmente fechado pelos crimes de triplo homicídio duplamente qualificado (perigo de vida e recurso que impossibilitou defesa das vítimas) e dupla tentativa de homicídio

Cadastrado por

Cássio Oliveira, Filipe Farias, Raphael Guerra

Publicado em 17/03/2022 às 8:56 | Atualizado em 18/03/2022 às 3:09
A promotora Eliane Gaia na fase de debate. Ao fundo, João Victor Ribeiro, o réu - ALEXANDRE AROEIRA/JC IMAGEM

Após três dias de júri popular, o réu João Victor Ribeiro de Oliveira, 29 anos, foi considerado culpado pela colisão que matou três pessoas e deixou outras duas gravemente feridas no bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife, em novembro de 2017. O veredicto foi lido pela juíza Fernanda Moura de Carvalho, titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, na noite desta quinta-feira (17).

"A culpabilidade do acusado foi extrema", citou a magistrada. A pena determinada foi de 29 anos, quatro meses e 24 dias de prisão em regime inicialmente fechado pelos crimes de triplo homicídio duplamente qualificado (perigo de vida e recurso que impossibilitou defesa das vítimas) e dupla tentativa de homicídio. Além disso, foi determinado o cancelamento da Carteira Nacional de Habilitação do condenado. A defesa pode recorrer da decisão em segunda instância.

A acusação sinalizou que pedirá aumento da pena. "Estamos satisfeitos com a justiça feita, porém, não estamos satisfeitos com a pena. Nós recorremos. Acreditávamos que a pena seria superior a 30 anos", afirmou a promotora de Justiça Eliane Gaia.

Os advogados de defesa do réu não falaram com a imprensa após o resultado do júri. A tese defendida por eles, durante a fase de debates, foi de que o réu seria dependente químico e que ele não teria controle dos atos no momento da colisão. O júri popular descartou a tese de semi-imputabilidade.

Na saída do Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, o advogado Miguel Motta, um dos sobreviventes da tragédia, se pronunciou. "Eduquem seus filhos, amem, cuidem deles. Eu estou fazendo isso por Marcelinha. Estou aqui de pé para honrar a memória da minha esposa e do meu filho. Mas a maior vitória é a da sociedade. A gente hoje construiu uma jurisprudência que vocês não sabem o tamanho. Isso vai evitar que outras pessoas passem pelo que eu estou passando. Vamos sustentar a sentença, fazê-la transitar em julgado", disse. Marcela Motta, filha dele, também sobreviveu à colisão, mas permanece com sequelas.

A esposa do advogado, Maria Emília Guimarães da Mota Silveira, o filho do casal, Miguel Arruda da Motta Silveira Neto, e a babá Roseane Maria de Brito Souza, que estava grávida, morreram após a batida, que ocorreu no cruzamento da Avenida Rosa e Silva com a Rua Cônego Barata.

O terceiro dia do julgamento começou com o interrogatório do réu. Por decisão dele, a acusação - liderada pelo Ministério Público - não pode fazer perguntas. Apenas a magistrada e os advogados de defesa fizeram os questionamentos.

"Não tenho medo de assumir a minha responsabilidade hoje, antes eu tinha. Hoje, não", disse João. O réu contou sobre os empregos que teve, seja como representante comercial, seja como supervisor de obras na empresa do pai. "Com dinheiro, comecei a frequentar bares, virar a noite, usar cocaína novamente com frequência. Comprei um palio vermelho e comecei a trabalhar, trabalhar, usando cocaína, bebendo, mentindo, dizendo que estava em casa de namorada, mas com estava com outras pessoas usando droga", disse.

Apaixonado por carros, ele trocou de veículos e muitas vezes teve esses tomados pelo pai, por envolvimento com drogas. Logo depois de um tempo, segundo ele, a confiança era retomada e ele voltava a dirigir. A ida e vinda de internações também aconteceu, por conta de recaída no álcool. "Me acostumei a tomar cerveja com caldinho, depois dose de alcatrão com mel e limão e cachaça e onde tivesse álcool eu ia colocando na boca e depois de bêbado só queria cheirar pó. Ia atrás de cocaína".

Sobre o dia da colisão, João Victor narrou que tudo começou com um chamado do amigo, Matheus Peixoto, para fumar um cigarro de maconha. "Nos encontramos em Zé Perninha (bar em Olinda), ele pediu uma cerveja, uma Itaipava, nunca tinha tomado Itaipava, estava cinza, gelada, tomei um copo, não estava bebendo, mas tomei um gole depois do outro. Não tenho vergonha de dizer que estou errado, enfatizo isso porque sei que estou errado, sei que eu errei beber e dirigir é errado", disse. "Esse dia para mim jamais será esquecido", completou.

No fim da tarde, após beber todo o dia, eles seguiram para Casa Forte e, segundo João, houve uso de maconha no carro no caminho. "Comi dois pães de alho, acordei preso na algema, na cadeira de rodas entrando num hospital, e quando olhei para a frente, um mundo de gente, e meu pai", disse ele explicando que não lembra de nada sobre a colisão.

"Eu ocorri em acidente trágico, morreram duas mulheres, uma criança, ficou um homem vivo, um pai de família, uma criança sequelada, e eu sinto hoje que sou condenado pro resto da minha vida, tendo cadeia ou não. Só sendo psicopata para viver com a mente tranquila sabendo que destruí famílias. Fiquei mais de 20 dias sem comer pensando no que aconteceu", concluiu João.

AS PROVAS

A expectativa é grande para o júri popular que pode condenar João Victor Ribeiro de Oliveira, motorista apontado como o responsável pela colisão que deixou três pessoas mortas e duas gravemente feridas no bairro da Tamarineira, na Zona Norte do Recife. - FELIPE RIBEIRO / ACERVO JC IMAGEM

 

A perícia do Instituto de Criminalística constatou que João Victor estava a 108 km/h, quando o máximo permitido na via era de 60 km/h. Ele também avançou o sinal vermelho. Já o carro de Miguel estava a uma velocidade de 30 km/h e o sinal estava aberto para ele.

O teste de alcoolemia feito no réu registrou nível de 1,03 miligrama de álcool por litro de ar, três vezes superior ao limite permitido por lei. Desde então, ele permaneceu preso.

OS DETALHES DO JÚRI

O júri popular começou na manhã da terça-feira (15). Houve a chamada e o sorteio de jurados para compor o Conselho de Sentença. Logo após, foram reservados dez minutos para os jurados lerem o Relatório de sentença e o Recurso em sentido estrito. A instrução começou com a leitura da denúncia. Em seguida, a sessão foi conduzida para a oitiva das testemunhas. 

No primeiro dia, foram ouvidas sete testemunhas. Miguel Motta foi uma delas. 

Julgamento no Recife do motorista responsável pela colisão que deixou três pessoas mortas na Tamarineira, em 2017 - BERG ALVES / JC IMAGEM

"Para mim, infelizmente, essa história não é o último capítulo. Uma pena aqui não vai significar muita coisa pra mim, porque minha dor vai ser estendida até o último dia da minha vida. Ele logo em breve estará livre, como determina a lei. Mas nos cabe mudar as leis e mudar esse pensamento egoísta de que tem que satisfazer os seus prazeres de beber, de dirigir e de não se responsabilizar pelas coisas que faz. O perdão não será meu, será de Deus. Eu não tenho que perdoar ninguém. Eu tenho apenas que seguir a minha vida ao lado da minha filha", disse o advogado.

No segundo dia, dois médicos psiquiatras forenses, contratados pela defesa do réu, foram ouvidos como testemunhas de defesa. Ambos declaram que João Victor tinha problemas mentais, ligados ao vício em álcool e drogas.

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