O Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarão (Cemit) revelou, nesta terça-feira (28), detalhes sobre o último incidente com tubarão em Pernambuco, que aconteceu em 20 de fevereiro na Praia dos Milagres, em Olinda.
A discussão definiu que, de fato, foi o animal que mordeu o surfista de 32. As análises apontaram que ele era da espécie cabeça-chata e tinha cerca de 2,5 metros.
Participaram da análise representantes do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado (Semas), Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Recife, Instituto Médico Legal (IML) e Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Por nota, o Cemit, vinculado à Secretaria de Defesa Social (SDS), afirmo que "os bombeiros militares, cotidianamente, trabalham para evitar que pessoas se arrisquem em áreas perigosas e também realizam resgates nas águas, sempre com material de salvamento aquático e primeiros-socorros".
Contudo, pontuou ser "fundamental que a população colabore com esse trabalho para prevenir incidentes. Somente com a conscientização e responsabilidade da população é possível obter sucesso na segurança das pessoas na orla do Estado."
Ainda, reiteirou que é proibida a prática de surfe e demais atividades náuticas no trecho de 36 quilômetros entre a Praia do Bairro Novo (Olinda) até os Arrecifes do Paiva (Cabo de Santo Agostinho), por força de decreto estadual que está em vigor desde 1999.
Por fim, que ao longo dessa extensão do litoral pernambucano, existem 150 placas indicativas do risco de incidentes com tubarão.
FALHAS NA PREVENÇÃO
Em reportagem publicada em 24 de janeiro, o JC pontuou os retrocessos nas políticas públicas de prevenção contra tais casos em Pernambuco. Além da falta de monitoramento, parado há quase uma década, as praias da Região Metropolitana do Recife também carecem de fiscalização e orientação - diante, muitas vezes, de pessoas que se arriscam em zonas de perigo.
O surfista André Sthwart Luiz Gomes da Silva, de 32 anos, está internado no Hospital da Restauração (HR), na área central do Recife, com estado de saúde estável até esta quinta-feira (23). Ele foi mordido na perna esquerda e passou por uma cirurgia.
André surfava há quase cinco anos na Praia dos Milagres, que é proibida para a prática de esportes do tipo desde 1999. A restrição se estende por 36 quilômetros entre a Praia do Bairro Novo (Olinda, ao norte) até os Arrecifes do Paiva (Cabo de Santo Agostinho, ao sul), por força de decreto estadual.
Na área, entretanto, não há qualquer indicativo de tal proibição. Zero placas alertando para o perigo, tampouco a presença de Bombeiros ou salva-vidas, segundo pescadores locais.
“Tinha placa há muito tempo, mas se desgastou. É difícil alguém surfar aqui; e quando surfa, é gente que entende e não se arrisca tanto. Mas os afogamentos acontecem direto; teve dia que salvei três pessoas. É muito bonita, e quem não conhece se arrisca” disse um, que preferiu não se identificar.
“Tem que estar ligado porque tem ataque, tem gente que ainda entra, mas é certo que acontece. É arriscado. Não vejo Bombeiro por lá”, contou o barqueiro Diego da Silva, 25.
Além de Olinda, o JC percorreu outras praias famosas do Grande Recife. Durante a visita, a reportagem conversou com surfistas que praticam o esporte mesmo em áreas proibidas. Eles afirmavam, em geral, que entendem o risco que corriam, mas que não concordam com a restrição em certas áreas, porque “tudo é mar”.
O engenheiro de Pesca e pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Jonas Rodrigues, explicou que a escolha não é feita de forma aleatória, mas com base na geologia do ambiente.
Segundo ele, a Praia dos Milagres, por exemplo, é uma ”zona crítica” por estar próximo a rios e à zona portuária. “Ela tem uma profundidade mais elevada, o que facilita com que animais de grande porte transitem. Eles também podem ser atraídos pelos navios”, explicou.
O mecânico André Gomes, 30, começou a surfar em Olinda, mas passou a praticar o esporte na área liberada no Paiva por ver menos risco. “A gente sabe que esse é o habitat do animal, mas aqui a gente fica bem à vontade no mar e não vemos tanto risco”, disse.
Pelo Paiva, há placas informativas e, segundo a população local, a presença constante de salva-vidas. O cenário já mudou em Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, onde o professor Madiel Ferreira, 37, afirmou sentir falta de orientação na área.
“A gente sempre se cuida porque sabemos como é, mas aqui não tem sinalização, nem orientação. O cuidado é de cada um. Acredito que seria muito importante ter guarda-vidas para orientar as pessoas, porque só vejo em Boa Viagem”, opinou.
Na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, há algumas placas deterioradas pelo mar, mas bandeiras sinalizando o perigo nas áreas mais críticas. Comerciantes também comentaram que contam com a presença, constantemente, de dois salva-vidas.
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Em Boa Viagem, muitas das sinalizações também estão desgastadas, enquanto a maioria dos postos de guarda-vidas está deteriorada e sem vigilância. No último mês, a nova gestão Raquel Lyra (PSDB) explicou que estuda novas estratégias para a região e que algumas das estruturas podem ser retiradas ou substituídas.
Em frente ao Edifício Acaiaca, ponto mais crítico no Recife, havia bombeiros na manhã desta quinta. “O posto mais abandonado é o 7, mas aqui tem todo dia. Se alguém for para o fundo, eles apitam, pedem para sair do mar”, contou o comerciante Luiz Fabiano, 22.
CONSTANTES INCIDENTES COM TUBARÕES
O surfista André foi a quinta pessoa mordida pelo animal em um ano e meio na costa pernambucana. Dois incidentes aconteceram no Arquipélago de Fernando de Noronha - um deles causou a amputação da perna de uma menina de 8 anos.
Os outros dois ocorreram na altura da Igrejinha de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. Uma das vítimas sobreviveu, mas Marcelo Costa Santos, 51 anos, morreu no local.
Os dois casos na Igrejinha se somaram às estatísticas que fazem da região o local com mais incidentes no Estado - 13 dos 65 em Pernambuco incidentes entre 1992 e 2018, segundo o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit).
Por terem acontecido em um intervalo de menos de 15 dias, em julho de 2021, a Prefeitura de Jaboatão proibiu o banho de mar em um trecho de 2,2 km até o Barramares Hotel por tempo indeterminado.
Apesar de efetiva quanto aos incidentes, a restrição diminuiu o movimento e prejudicou comerciantes da região - como contou Marli Alves, 58, que viu muitos dos colegas desistirem de vender naquele ponto. “Aqui está morto. Estou aqui porque vivo disso. Desde lá, não resolveram nada aqui.”
A recomendação feita por pesquisadores da UFRPE não tinha o caráter perene; ela aconteceu para evitar casos enquanto o poder público faria novos estudos para entender a dinâmica dos animais na área. Contudo, após mais de um ano, nada avançou.
“Não tivemos maiores avanços desde que o trecho foi interditado para o banho. Não temos visto ações mais efetivas para conter esse problema, é como se tivesse caído no esquecimento”, disse Jonas.
VAZIO DE INFORMAÇÕES SOBRE TUBARÕES
Tampouco foram contatados para analisar o último caso, mas disse acreditar que a espécie que mordeu André foi a "cabeça-chata", uma das mais comuns em Pernambuco, junto ao "tigre" - ambos “predadores natos”. O “limão” também já foi visto em Noronha.
Esse ‘vazio’ de informações e estudos nem sempre existiu. Entre 2004 e 2014, a UFRPE, em conjunto com a Secretaria de Defesa Social do Estado (SDS), tocou o Projeto de Pesquisa e Monitoramento de Tubarões no Estado de Pernambuco (Protuba) no litoral.
Ele era comandado pelo professor Fábio Hazin, que faleceu em 2021 por complicações da covid-19, no barco chamado 'Sinuelo'. Nele, os tubarões eram capturados, marcados e soltos, fazendo com que a equipe entendesse o curso que eles percorriam pelo mar. Ainda, eram promovidas atividades de conscientização.
De acordo com Jonas Rodrigues, as pesquisas geraram bastante dados, usados até hoje para entender a dinâmica dos animais. Contudo, não se sabe se houve uma alteração no comportamento deles.
“A população de tubarões da região, a habitação dele, a quantidade e a dimensão deles podem ter mudado. Também não sabemos se houve alteração das correntes marinhas, o que poderia gerar novos direcionamentos para políticas de educação ambiental”.
SDS PROMETE REESTRUTURAR O CEMIT
Por nota, a SDS afirmou que o Cemit está passando por uma reestruturação, de modo a aprimorar sua atuação nos mais diversos eixos, e que informações serão repassadas oportunamente.
Ainda, que o Corpo de Bombeiros Militar atua para prevenir, orientar e socorrer banhistas ao longo do trecho proibido para surfe e outros esportes, onde existem 150 placas indicativas do risco de incidentes com tubarão. "Desse total, 51 foram renovadas em 2022. As demais serão substituídas ao longo de 2023", alegou.
O Corpo de Bombeiros lança efetivo do GBMAR diariamente nos postos, pontos de observação e pontos de concentração de banhistas na orla, sempre com material de salvamento aquático e primeiros-socorros. O serviço é reforçado por militares especializados de outras unidades da corporação. Mas é preciso salientar que somente com a conscientização e responsabilidade da população é possível obter sucesso na segurança das pessoas na orla do Estado.
"O Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco e o Cemit alertam, tanto por meio de abordagens como através das placas de orientação, a respeito dos pontos considerados mais perigosos quanto a incidentes com animais marinhos, que são as proximidades das barretas, mar aberto e valas - espaços entre os arrecifes, onde ocorre a passagem das águas e são geradas as correntes de retorno", disse.
"Também é preciso evitar o banho de mar em águas turvas ou profundas, na maré alta e nas áreas de foz de rios, além de evitar entrar no mar ao amanhecer e ao anoitecer. Se estiver sozinho, sangrando ou alcoolizado, o banhista não deve entrar na água. Essas e outras orientações estão disponíveis também nas placas de sinalização nas praias e no site do Cemit (www.sds.pe.gov.br/cemit/), clicando na aba "Principal" e, em seguida, em perguntas frequentes", concluiu.