Era o ano de 2015 quando, durante uma entrevista a um pequeno grupo de jornalistas que cobriam um evento de cidades sustentáveis em Curitiba (PR), o arquiteto, urbanista e, principalmente, o criador do sistema BRT no Brasil e no mundo, Jaime Lerner foi enfático ao afirmar que o BRT pernambucano, o Via Livre, não podia ser considerado um sistema de BRT devido às lacunas deixadas no projeto. “Um sistema que tem intervalos superiores a 10 minutos e anda em tráfego misto não é um BRT”, disse Lerner, que faleceu nesta quinta-feira (27/5), aos 84 anos, de complicações de doença renal crônica.
“Um sistema que tem intervalos superiores a 10 minutos e anda em tráfego misto não é um BRT”, disse Lerner em 2015, quando o BRT pernambucano tinha pouco mais de um ano de operação
O BRT Via Livre tinha pouco mais de um ano de operação e já acumulava problemas, principalmente devido à lentidão na ampliação dos Corredores Leste-Oeste e Norte Sul. De lá para cá, mal sabia o arquiteto como a realidade do sistema pernambucano mudou para pior. Muita gente não sabe, mas foi Jaime Lerner quem projetou o BRT pernambucano. Foi o escritório dele, contratado pela Urbana-PE, quem fez os primeiros esboços do sistema da RMR. O projeto passou por alterações quando o então governador Eduardo Campos (PSB) resolveu viabilizá-lo, principalmente o Eixo Agamenon Magalhães, que previa uma conexão com o TI Joana Bezerra - hoje feito improvisadamente - e com a Zona Sul do Recife, pelo Viaduto Capitão Temudo, Avenida Domingos Ferreira, em Boa Viagem, até chegar ao TI Cajueiro Seco, em Jaboatão dos Guararapes.
Nada disso vingou e, ao contrário, só temos visto o BRT afundar na RMR. São muitos problemas que envolvem a “canibalização” das estações, a falta de prioridade nas vias e problemas questionados pelos órgãos de controle.
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Na época, Jaime Lerner criticou o custo dos projetos e, diante disso, a dificuldade de executá-los. “Os projetos de BRT estão absurdamente caros. E quando se vem a Curitiba se vê como é simples. Percebe-se que falta visão, se gasta muito com desapropriações e há superdimensionamento dos sistemas. E sistemas de transporte não são feitos de um ou dois corredores, precisam de redes. Isso vale para o BRT”, afirmou.
Lerner foi além. Também criticou a opção pelas faixas exclusivas, a insistência pelo metrô devido ao custo e a demora de implantação e a demagogia dos gestores públicos para executar projetos que priorizem o transporte público. “Faixa pintada não é prioridade ao transporte público. É o começo, mas não o fim. O mais importante é a rede de transporte, não o corredor. E mesmo assim, no Brasil se leva muito tempo para fazer uma faixa pintada. Parece que não se quer fazer”. As palavras dele ainda são tão verdadeiras e ainda pouco ouvidas. Descanse em paz criador do BRT!