Trânsito, transportes e mobilidade urbana, com Roberta Soares

Mobilidade

Por Roberta Soares e equipe
COLUNA MOBILIDADE

Passageiro fugiu do transporte público e não vai voltar, aponta estudo do Ipea

Enquanto a frota de veículos individuais aumentou 331% em 19 anos, a perda de passageiros foi de 60% somente em 2018, numa relação com a década de 90

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Roberta Soares

Publicado em 03/08/2021 às 19:03 | Atualizado em 03/08/2021 às 19:05
Governo do Estado ainda não sabe se irá repassar os recursos para as empresas que não têm contrato licitado, que são a maioria do sistema metropolitano e intermunicipal - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

O passageiro está fugindo do transporte público coletivo no Brasil e não é de hoje. Essa fuga, estimulada pela baixa qualidade da grande maioria dos sistemas de ônibus e metrôs e impulsionada pela pandemia de covid-19, aumenta ano após ano. Em 2018, a quantidade diária de passageiros transportados nos ônibus em grandes cidades brasileiras foi 60% menor do que era registrado em meados da década de 1990. Todos fugindo para o transporte individual - motocicletas, carros e aplicativos de transporte.

A frota de veículos individuais motorizados (automóveis e motocicletas) aumentou em 331%, de 2001 a 2020 no País. Além de comprometer a saúde ambiental das cidades, a fuga para o transporte individual criou um déficit no transporte coletivo, evidenciando a necessidade de subsídios para que esses sistemas consigam operar com qualidade. Essas são algumas das conclusões do estudo Tendências e Desigualdades da Mobilidade Urbana no Brasil I: O uso do transporte coletivo e individual, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado nesta terça-feira (3/8).

Produzido em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o estudo mostra que, em 2018, 70,4% das famílias brasileiras realizaram gastos com transporte urbano, sendo que menos da metade (45,5%) das famílias teve despesas com transporte coletivo, enquanto que 71,4% tiveram gastos com transporte individual motorizado. Uma das razões para essa constatação é o fato de que, em praticamente todas as regiões metropolitanas brasileiras, as tarifas dos sistemas de ônibus e o custo do óleo diesel cresceram acima da inflação.

Em 2018, a quantidade diária de passageiros transportados nos ônibus em grandes cidades brasileiras foi 60% menor do que era registrado em meados da década de 1990 - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Além disso, entre 2001 e 2015, o tempo de deslocamento das residências dos moradores para o trabalho aumentou em praticamente todas as metrópoles. Enquanto os veículos próprios novos ficaram mais baratos e os ajustes dos preços da gasolina ficaram abaixo da inflação. Pelo menos até meados de 2016, como resultado das políticas de subsídio por isenções tributárias.

SUBSÍDIO É NECESSÁRIO

O estudo do Ipea constata que a drástica redução do número de passageiros no transporte público no Brasil tornou necessária e irreversível a discussão de subsídios diretos ao setor. Não há mais como escapar disso. Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, um dos autores do estudo, Rafael Pereira, afirma que a fuga do passageiro é irreversível, embora uma parcela da população dependa dele. "O grande debate não é se tem que ter subsídio ou não, mas qual o nível de subsídio que tem que ser dado. É 10%, 20%, 30%? Esse é o debate, e é um debate político, não técnico", afirma.

Com menos passageiros, menor a base para dividir os custos da operação, já que o transporte público brasileiro é bancado em sua quase totalidade pela tarifa paga pelo usuário. “O aumento para compensar a perda de passageiros acaba afastando ainda mais os usuários, criando um círculo vicioso rumo à insustentabilidade financeira. A pandemia joga querosene e acende o fósforo ao reduzir ainda mais o número de usuários sem que houvesse queda nos custos”, avalia Pereira.

Passageiro está fugindo para o transporte individual - motocicletas, carros e aplicativos de transporte - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Segundo os dados coletados pelo Ipea, a média diária de usuários de ônibus era de 631 mil em outubro de 1995 e caiu a 343 mil em outubro de 2019. O cálculo considera nove capitais: Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Além de Pereira, o estudo foi escrito pelos pesquisadores Lucas Warwar, João Parga, João Bazzo, Carlos Kauê Braga, Daniel Herszenhut e Marcus Saraiva. O trabalho compõe um conjunto de três estudos com objetivo de produzir insumos para discutir e aprimorar a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Os pesquisadores constataram o que todos já sabem: que a crescente substituição do transporte público pelo transporte privado traz consequências negativas para o meio ambiente e para a saúde pública, além de gerar um padrão de urbanização excludente, que compromete a economia e o bem-estar da população. Principalmente da mais carente.

Rafael Pereira explica que a tarifa do sistema de transporte público é calculada pela divisão de todo custo do sistema pela quantidade total de passageiros. “Se diminuímos a base de passageiros, o custo da tarifa por passageiro vai ficando mais caro. Então, essa migração do transporte público para o privado vem contribuindo como um dos fatores para o encarecimento do transporte público e, isso afeta a capacidade da população de baixa renda em usar esse sistema. Portanto, sua capacidade de se locomover pela cidade para acessar oportunidades de saúde, emprego, educação”, diz.

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