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Os conflitos globais ganharam intensidade desde a guerra da Ucrânia, que completou dois anos, assim como vários eventos paralelos indicando uma maior volatilidade das relações entre países e grupos étnicos ao redor do mundo.
Além desses processos em curso, presenciamos a redução dos avanços democráticos em várias regiões. Sejam eles lembrados ou não, geram impactos de maneira variada em um ambiente de sociedades polarizadas.
A frase “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, erroneamente atribuída a Thomas Jefferson, foi proferida pelo abolicionista Wendell Phillips. Ele também acrescentou que “o maná da liberdade popular deve ser colhido a cada dia, ou apodrece”.
O documentário ucraniano “20 dias em Mariupol”, dirigido por Mstyslav Chernov e vencedor do Oscar, nos relembra a brutalidade da guerra contra as pessoas comuns e seus efeitos. A invasão expansionista de Vladimir Putin, retomando práticas de colonialismo do século XIX, vitima cada vez mais pessoas, tanto ucranianas como russas.
O ditador parece estar mais consolidado no poder após a aniquilação de possíveis rivais, como Alexey Navalny e até antigos aliados como Yevgeny Prigozhin. A disputa entre os republicanos e democratas nos EUA atrasa o envio de ajuda militar a Kyiv. Um possível retorno de Donald Trump ao poder é almejado pelo Kremlin, que observa a crise do legislativo estadunidense com atenção.
A continuidade da guerra na Faixa de Gaza, iniciada pelo grupo terrorista Hamas nos ataques de 7 de outubro de 2023, continua vitimando a população palestina e a israelense. O grupo extremista mantém o prolongamento do conflito, sem liberar os reféns ou dar sinais de rendição.
Enquanto isso, na política interna isralense, as disfuncionalidades entre os partidos e como a democracia do país deve ser tocada está cada vez mais evidente. E cada vez mais longe do fim. O Sudão, longe dos centros de poder e das narrativas ideológicas, continua perecendo em uma guerra que já teve mais de 11 milhões de deslocamentos forçados.
Os confrontos ocorrem entre os militares de Abdel Fatah al-Burhan (oficialmente líder do país) e do chefe do grupo paramilitar “Forças de Apoio Rápido”, Mohamed Hamdan Dagalo. As vítimas desse conflito não recebem posts de solidariedade nas redes sociais, enquanto os crimes e as violações aos direitos humanos parecem não possuir um término em um futuro próximo.
Mesmo na “pacífica” América do Sul, o regime de Nicolás Maduro ameaçou uma guerra contra a pequena Guiana para conquistar a região de Essequibo. Motivado pela descoberta de petróleo abundante na região, a retórica de absorção dessa zona de mata, que havia sido abandonada pelo ex-presidente Hugo Chávez, retornou como instrumento de desviar a instabilidade econômica e política que a Venezuela enfrenta.
Por meio do Conselho Nacional Eleitoral, Maduro conseguiu deixar de fora Corina Yoris das eleições. Assim, o atual mandatário do país chega às eleições sem rivais de peso. O conflito fabricado com a Guiana teve importância em mobilizar a população e colocar o presidente como o único capaz de resolver a “injustiça histórica” que o país sofreu pela perda do território.
Alguns analistas afirmam que estamos presenciando o nascimento de uma multipolaridade desorganizada, ou seja, vários centros de poder e o reforço pela afirmação das suas esferas de influência em seus entornos.
O que observamos é uma cada vez pior dos conflitos territoriais, diferenças étnicas, religiosas e ideológicas. O uso da tecnologia, como as redes sociais, ampliam o alcance de conflitos, enquanto esquecem de outros.
O Sudão, pelo fato de ter sido colocado no desprezo da comunidade internacional, longe de holofotes, é um exemplo emblemático do que o olvido por regiões distantes pode ter na prática: mais de 23 milhões de pessoas são afetadas. Mesmo causando tantas mortes, um esforço diplomático parece longe de dar solução ao problema deste país africano.
A verdadeira guerra do amanhã será por uma melhoria desse quadro. Um mundo em conflito constante é um inimigo da prosperidade. Novas abordagens serão necessárias para a prevenção de conflitos, da construção da paz e o fortalecimento da cooperação internacional. Tudo isso em contexto de democracias ameaçadas e ditadores empoderados.
Uma das lições que ficam é ressaltada por Timothy Snyder no livro “Sobre a Tirania”. O autor argumenta que devemos assumir nossa responsabilidade perante o mundo: “A vida é política, não porque o mundo se importa como você se sente, mas porque o mundo reage ao que você faz. As pequenas escolhas que fazemos são também uma espécie de voto, tornando mais provável ou menos provável que eleições livres e honestas ocorram no futuro. Na política do dia a dia, nossas palavras e gestos, ou nossa omissão, fazem muita diferença”.
Antonio Henrique Lucena Silva, Doutor em Ciência pela UFF e Professor da UNICAP
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