O que vem à mente ao pensar numa Rua chamada “Imperial”? Para a que fica no Centro, o nome remonta à história do Recife, já que a via de 2,3 quilômetros foi criada nos tempos em que o conde João Maurício de Nassau comandava a província de Pernambuco. Só que junto à maré do esquecimento que inundou o Bairro de São José nas últimas décadas, o título da rua que desemboca no Bairro de Afogados tornou-se um jocoso paradoxo do próprio significado, já que a “Imperial” escancara problemas de infraestrutura, de trânsito e sanitários que a colocam longe do luxuoso título que leva.
Hoje, a Imperial é basicamente reservada aos veículos automotivos. Não há ciclovia ou ciclofaixa, as calçadas são esburacadas e estreitas e nem só uma linha de ônibus passa por ela, segundo o Consórcio Grande Recife de Transportes. Mas não quer dizer que a avenida que liga o Centro à Zona Oeste é ideal para os carros - pelo contrário, é conhecida pelos constantes alagamentos que dificultam o trânsito. “Choveu, fica desse jeito. Isso vem de muitos anos e de muitas gestões. A gente que tem um veículo é capaz de perder o motor”, disse o motorista Jair Lopes, de 60 anos.
A reportagem do JC visitou a via em uma manhã de sol posterior a uma madrugada de chuvas. Na maior parte do Centro, a água já havia escoado por completo, exceto na Imperial. Nela e em algumas das ruas transversais o alagamento formava engarrafamentos. Segundo o especialista em recursos hídricos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Jaime Cabral, isso acontece pela rua ser naturalmente “muito baixa e com pouca declividade para a água escoar”, uma “característica que não se pode modificar”. No entanto, ele aponta que “o sistema de drenagem é precário e pode ser melhorado”.
LEIA MAIS SOBRE CIDADES
- Enfim, política habitacional para os mais pobres é sancionada no Recife. Entenda o que isso significa
- A espera de famílias que vivem em palafitas por habitacional que não atenderá déficit na Comunidade do Bode, no Recife
- Novo gabinete da Prefeitura do Recife é criado para revitalizar o Centro, mas acende alerta sobre como atuará
- A resistência do comércio e o movimento de retorno da arte e da moradia ao Centro do Recife
As origens da Imperial também explicam parte do problema. O historiador Leonardo Dantas Silva, referência quando se trata de Pernambuco, explica em seu livro “Arruando pelo Recife” que a Rua teve origem de um “longo aterro construído ao tempo de Nassau, que servia de ligação entre as fortalezas Frederico Henrique (onde fica o Forte das Cinco Pontas) e Príncipe Guilherme (em Afogados)”. Mas o chamado “dique dos Afogados” foi arrastado pelas águas, até ser substituído por um aterro mais largo. Só em 1787, ganhou melhoramentos até sua urbanização definitiva.
Por nota, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) afirmou que “já possui um projeto concluído de drenagem para a via e que busca recursos para executar a obra”, sem dar mais detalhes.
Patrimônio ferido
Ainda hoje a Rua Imperial faz parte do roteiro do desfile do Galo da Madrugada, maior bloco de rua do mundo, e é ponto de venda de automóveis usados nas madrugadas dos domingos. Mas, assim como o restante da área central da cidade, deixou de ser endereço de prestígio para moradia e sede de multinacionais. Agora, quem vai de uma ponta a outra da via se depara com uma série de imóveis desocupados, lojas fechadas e poucos pontos residenciais - a maioria que ainda existe, é de moradia precária.
O comerciante Vilbert da Costa, de 73 anos, há mais de 30 anos possui uma loja de autopeças na Rua Imperial, e acompanhou bem as mudanças da rua. “Morei durante oito anos aqui. Era mais tranquilo, tinha vendas, padarias, o que fazia com que ela fosse mais movimentada”, relatou.
LEIA MAIS SOBRE CIDADES
- "No Holiday, eu vivia. Hoje não vivo mais". Proprietários de icônico edifício do Recife ainda à espera de respostas
- As lições de Medellin, cidade-modelo de transformação urbana, para o Recife, a capital da desigualdade social
- Conheça o "Recifeando", o aplicativo que permite moradores e turistas se aprofundarem na história do Bairro do Recife
- Dona Lindu, Jaqueira e outros: o que pode acontecer com os seis parques urbanos que estão na mira da concessão no Recife?
Os moradores e as grandes empresas se foram, esvaziando edificações construídas na transição entre os séculos XIX e XX, com diferentes estilos que variam do Art déco à arquitetônicos modernos, que estão em acelerado processo de degradação. “É uma pena, porque a Imperial tem muita história e memória para a cidade. É um caleidoscópio da ocupação do Recife, com remanescentes de construções significativas de diversos repertórios e estilos arquitetônicos”, pontuou o arquiteto e urbanista Roberto Salomão, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Pernambuco (CAU-PE).
No início da Rua, o casarão que abrigava a Escola Estadual Sérgio Loreto é um exemplo, ao ter virado um ponto de uso de drogas e ao estar entregue ao vandalismo. A casa teve o muro parcialmente derrubado, e o interior danificado. Até então, somente as imediações da Matriz de São José estão inclusas em um Setor de Preservação Rigorosa estabelecido pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Atualmente, o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS) faz levantamento para saber quantos imóveis do Centro da cidade estão ociosos.
LEIA MAIS SOBRE AVENIDAS
- Com obras ainda inacabadas, falta de Corredor Norte-Sul na PE-15 continua a castigar a população
- Avenida Caxangá, no Recife: de uma ponta a outra, "a maior em linha reta" de problemas
- Mascarenhas de Morais: um raio-x da avenida do Recife conhecida pelos engarrafamentos e alagamentos constantes
- Avenida Cruz Cabugá: tudo de ruim em estrutura e mobilidade concentrado na via que liga Recife a Olinda
- Avenida Recife: mais um importante corredor da cidade que não privilegia o transporte público ou a bicicleta
"Ainda há tempo"
Já houve uma mobilização na gestão do prefeito João Paulo para recuperá-la, mas o Plano de Reabilitação Integrada e Conservação Urbana da Rua Imperial, que previa residenciais, incluindo habitações populares, comércios e serviços, nunca foi à frente. À época, foi levantado que a via tinha 450 mil metros quadrados de potencial construtivo. Agora, a aposta da Prefeitura do Recife é em uma reestruturação ampla dos três bairros do centro histórico, Recife, Santo Antônio e São José, por meio do Programa Recentro, que concede descontos e isenções de impostos para construção e recuperação de imóveis na área.
Todavia, ainda não está claro quais critérios serão utilizados para ocupação do Centro do Recife - o que ainda acende o alerta para a preservação do patrimônio histórico. “Vejo com muita esperança essa oportunidade de ter de volta um gabinete que venha a se preocupar e a olhar permanentemente para o Centro e definir ações específicas para ele. A preocupação é que a pressão para destruir e construir em cima faça com que venhamos a perder essa paisagem da Imperial, que já está bastante prejudicada e comprometida pelo abandono. Mas ainda dá tempo de ser resgatada; digamos que está no último sopro de vida, precisando de um investimento significativo”, concluiu Salomão.