MÚSICA

Força do piseiro, morte de Marília Mendonça e o poder do TikTok: o que marcou a música em 2021

Retorno dos shows pelo avanço da vacinação, declínio das lives e surgimento de novos artistas são alguns dos legados do ano

Cadastrado por

Emannuel Bento

Publicado em 27/12/2021 às 15:14 | Atualizado em 27/12/2021 às 19:10
João Gomes foi um dos fenômenos do piseiro, Marília Mendonça consternou o país e Marina Sena foi a revelação do pop nacional - REPRODUÇÃO DO INSTAGRAM, WILL DIAS/ESTADÃO CONTEÚDO E FERNANDO TOMAZ/DIVULGAÇÃO

O ano de 2021 deixará suas marcas no mundo da música. Se em 2020 esse universo foi tomado por uma forte digitalização, em razão do distanciamento social da pandemia, agora já é possível ver a obsolescência de algumas práticas, como as lives, e a consolidação de muitas outras, como o TikTok. Dentro desse sistema, surgiram novos artistas e tendências, enquanto outros grandes nomes partiram.

Volta dos shows e enfraquecimento das 'lives'

Talvez a grande vitória do meio musical tenha sido o retorno dos shows, força motriz econômica do setor, principalmente para os artistas locais. A ampliação da aplicação das duas doses das vacinas possibilitou essa volta com limitação de público e controle nos acessos. A continuidade desse êxito depende do impacto de variantes como a ômicron no país.

Alceu Valença abre a retomada de shows em Pernambuco - PEDRO MENEZES/CLASSIC HALL

Em Pernambuco, um dos shows simbólicos desse retorno foi o de Alceu Valença, realizado no Classic Hall. Sucessos que embalam o Marco Zero no carnaval foram apresentados diante de uma plateia ainda sentada em mesas. Também ficaram marcados os shows em teatros, alternativa interessante para o contexto. O show em dueto de Chico César e Geraldo Azevedo e a 18ª edição do festival Coquetel Molotov, ambos no Teatro Guararapes, são exemplos.

Quem cresceu durante os tempos das lives também colheu frutos nessa volta. A cantora Priscila Senna voltou aos palcos em outubro, com show lotado em Maria Farinha, no Litoral Norte. Também emplacou o sucesso "Alvejante", com Zé Vaqueiro, que acumula 50 milhões de visualizações no YouTube. Outra cantora que fez sucesso no cenário brega foi Raphaela Santos.

Falando em lives, o modelo foi saturado na pandemia pela repetitividade. A rotina de shows ao vivo pela internet fez com que grandes nomes fossem com muita sede ao pote e não pensassem a longo prazo. Para efeito comparativo: a primeira live de Luan Santana acumulou 15 milhões de visualizações em 24h. A sua mais recente, feita há uma semana, tem 343 mil.

Consolidação do piseiro

Se em 2020 o "piseiro" ainda estava mais atrelado aos Barões da Pisadinha, que literalmente levam o nome do ritmo, o cenário se ampliou em 2021. O ritmo surgiu nos interiores da Bahia, como um tipo de forró mais fácil de ser executado ao vivo, pelo enfoque nos teclados. Hoje, o ritmo é visto como a renovação do forró, com diálogos ainda mais intensos com o funk e a música pop.

Zé Vaqueiro e João Gomes são indicados ao Prêmio Multishow 2021 - Divulgação

Em 2021, dois jovens pernambucanos foram ao centro dos holofotes: Zé Vaqueiro, de Ouricuri, e João Gomes, de Serrita. Primeiramente, é interessante pensar que o processo de popularização deles começa vínculos diretos ao estado. Foi preciso até certo esforço para deixar claro que eles eram de Pernambuco. Isso porque a indústria do forró está cada vez mais concentrada em Fortaleza (CE). Zé Vaqueiro é do escritório de Xand Avião. Ele vinha com alguns sucessos no final do ano, se consolidando neste ano com "Volta Comigo BB" (187 milhões de visualizações).

Já João Gomes, 19, é um caso peculiar pelo seu sucesso instantâneo e precoce. Com voz grave, instrumentais atuais do piseiro e composições que dialogam com a juventude, ele teve o álbum mais ouvido do Spotify em 2021. O jovem de 19 foi descoberto numa competição de ação de marketing do Sua Música, plataforma de streaming focada no forró.

O Sua Música, aliás, entrou para os players da música digital no país em 2021. Criado em João Pessoa em 2010, o site passou a atuar em várias frentes: tem distribuidora (Sua Música Digital), que atende a nomes como João Gomes e Tarcísio do Acordeon, produtora (Sua Música Records) e editora para registros de compositores. Em dezembro, a marca inaugurou o Sua Música Space, em Fortaleza.

DO DIGITAL PARA O FÍSICO Primeiro Sua Música Space foi inaugurado em Fortaleza, num investimento de R$ 2 milhões em 1.200 m² - SUA MÚSICA/DIVULGAÇÃO

Apesar dos êxitos, a indústria do forró também precisou encarar controvérsias causadas pela prisão do DJ Ivis. Um dos principais produtores musicais do piseiro, ele foi preso após agredir sua então esposa, Pamela Hollanda. Após a soltura, vários nomes do ritmo saíram em defesa do seu retorno à cena, a exemplo de Wesley Safadão, Tarcisio do Acordeon e o próprio João Gomes.

TikTok como impulsionador da música

Ainda tido como novidade em 2019, o TikTok se consolidou de verdade no Brasil durante a pandemia. O aplicativo é uma importante ferramenta para propagação de músicas, o que ocorre de forma bastante orgânica, já que os próprios usuários repercutem as músicas com "dancinhas" e demais conteúdos.

São vários os hits relacionados ao aplicativo: "Cachorro Coração", de Ávine Vinny, "Bonekinha" e "Queda", de Gloria Groove, "Chama teu vulgo malvadão", do MC Raizin, "Passinho Debochado", de Don Ventura, "Meu Pedaço de Pecado", de João Gomes, entre outros.

O brega-funk também encontrou mais um meio de alcançar o país, emplacando "De mochila e rádio", de MC Abalo, Reino e Barca na Batida, "Rebola Lentin", de MC Jeffin e MC Kaio, e "Som do Paredão", de MC Vertinho, que curiosamente foi lançada em 2013. O TikTok tem causado esse "revival" de músicas antigas, a exemplo de "Fergalicious", de Fergie (2006) e "I'm Just a Kid", do Simple Plan (2002).

Marina Sena - TATIANA VIANA/DIVULGAÇÃO

Já no final do ano, uma cantora mais ligada à cena alternativa furou a bolha e ganhou o mainstream muito por conta do aplicativo: Marina Sena. Estreando a carreira solo com o álbum "De Primeira", a cantora foi um dos grandes destaques do ano, tendo emplacado os sucessos "Me Toca", "Voltei Pra Mim" e "Por Supuesto”, que foi viral no TikTok. Ela ainda venceu três troféus do Prêmio Multishow.

Para além de sucessos específicos, o TikTok vem alterando as próprias lógicas de consumo da música. Artistas já estão lançando faixas de 30 segundos exclusivamente para testes no aplicativo. Isso vem de encontro com a diminuição do tamanho das faixas, algo já estimulado pelo consumo via streaming. Em defesa de uma tradição ligada aos álbuns físicos, Adele, que lançou o "30", pediu que o Spotify retirasse a opção de audição aleatória das faixas. O pedido foi acatado.

Marília Mendonça

SUCESSO No último sábado, Marília Mendonça foi a artista feminina mais ouvida no Spotify, com quase 29 milhões de reproduções - REPRODUÇÃO/PREFEITURA DE CARUARU

A morte precoce de Marília Mendonça, vítima de um acidente aéreo no interior de Minas Gerais em novembro, consternou o Brasil. Quando ainda tinha 20, a cantora revolucionou a música sertaneja ao dar espaço para mulheres nesse mercado com o movimento "feminejo". Com voz marcante e composições autorais de perspectiva feminina, Marília atualizou a figura do cancioneiro popular nos nossos tempos.

Além da questão da representatividade, a cantora foi um case de sucesso no mercado da música digital. Sua faixa mais ouvida no YouTube, Infiel, tem 558 milhões de reproduções. Todos os seus grandes sucessos beiram essa marca de nível internacional. Ela chegou a aparecer no ranking de mulheres mais ouvidas da história da plataforma, estando acima de Lady Gaga.

Marília Mendonça deixa seu legado na música popular brasileira: um sertanejo moderno e menos machista, aberto para dialogar com outros ritmos e ideologias. Isso pode ser aplicável a qualquer gênero musical. Em 2021, o país também perdeu nomes como o guitarrista pernambucano Paulo Rafael, Agnaldo Timóteo, Genival Lacerda e MC Kevin.

Tags

Autor

Veja também

Webstories

últimas

VER MAIS