Em meio à crise, Uber coleciona 'adversários' nas ruas, tribunais e parlamento; saiba quem são
O número de pessoas que têm se voltado contra a big tech surgida nos Estados Unidos parece aumentar com o passar dos tempos
Envolvida numa crise sem precedentes na sua história, a Uber vem colecionando "adversários" nos últimos meses. De motoristas a passageiros, passando até por desembargadores, o número de pessoas que têm se voltado contra a big tech surgida nos Estados Unidos parece aumentar com o passar dos tempos.
Desde o primeiro semestre deste ano, a Uber vem assistindo ao crescimento de reclamações por parte dos passageiros subir consideravelmente em todo o país. Isso tudo embalado pelos constantes atritos com motoristas, que já buscam alternativas não só à Uber, mas também às suas concorrentes.
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No maior fórum pernambucano destinado a usuários e parceiros das plataformas na rede de Mark Zuckerberg, o “Uber e 99 POP Recife - Motoristas e Clientes”, que conta com 116,7 mil membros, é possível encontrar reclamações apontando cobranças de até 52% nas taxas. Apesar das queixas dos condutores, a Uber afirma que “em qualquer viagem, o motorista parceiro sempre fica com a maior parte do valor pago pelo usuário”.
Na tentativa de “driblar” tais taxas e impulsionados pelas reiteradas altas dos combustíveis — que consome mais 50% da renda dos trabalhadores —, motoristas já combinam corridas particulares com os passageiros para garantir um rendimento “por fora” que não esteja submetido às taxas das empresas.
O peso das tarifas endossa as críticas do mineiro Wagner Oliveira, considerado por muitos como o "inimigo número 1 da Uber". Ele foi o primeiro motorista a ser expulso da plataforma no Brasil, além de ser o primeiro a levar a empresa aos tribunais do país.
Há cinco anos Wagner denuncia o que considera abusos dos aplicativos de transporte de passageiros. Esta disputa contra a gigante estadunidense se transformou no livro “Minha batalha contra a Uber”, lançado em março de 2021, no qual Oliveira relata sua derrota judicial e faz contundentes críticas à empresa.
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“A Uber é a pior desgraça que poderia ter surgido no planeta terra, recentemente. O negócio é um negócio criminoso e ilegal”, afirmou Wagner ao JC. “Este é um serviço cuja tarifa é um dumping pensado para quebrar o sistema todo e, assim, formarem um monopólio ou um duopólio”, emendou.
Uber na mira de desembargadores
Na mesma linha, o desembargador Marcelo Ferlin D’Ambroso, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), condenou a empresa em R$ 1 milhão pela prática de dumping social, no final de setembro de 2021. O dinheiro deverá ser revertido a entidade pública e/ou filantrópica a critério do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“A questão desses aplicativos é que eles precarizam muito a vida dos trabalhadores. Então as pessoas passam a ter remuneração exclusiva pelo tempo de produção, que é o chamado trabalho zero hora”, pontuou ele ao JC.
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“Então são várias formas de precarização extrema, uma espécie de neoescravidão. Acaba que as pessoas trabalham sete dias por semana, 30 dias por mês, 12 meses por ano, enquanto o corpo aguenta. Isso sim nós podemos chamar de uma prática de dumping social”, completou D’Ambroso.
No Ceará, o desembargador Clóvis Valença Alves Filho, do TRT-7, também já é visto como uma pedra no apertado sapato da Uber. Ele foi responsável por relatar uma ação que resultou na condenação da empresa a indenizar em R$ 676 mil, por danos morais e materiais, a mãe de um motorista assassinado durante uma corrida pelo aplicativo.
Para o magistrado, não há dúvidas de que a profissão da vítima, motorista de aplicativo, foi determinante para que os assassinos cometessem o crime. "Resta imperioso se reconhecer a responsabilidade da empresa pelo evento danoso, decorrente de violência sofrida durante a realização de suas atividades", escreveu Alves Filho, em um trecho de sua decisão.
O desembargador afirmou ainda que ao contratar seguro para os motoristas inscritos na plataforma, a Uber se considerou responsável pelos profissionais, considerados por ela como parceiros.
Quem também já é vista com maus olhos pelas empresas donas dos aplicativos de transporte — e delivery — é a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi. Em setembro, durante entrevista ao Uol, a ministra afirmou que motoboys, motoristas e empregados terceirizados têm direitos mínimos e devem estar cobertos pela legislação trabalhista, com direito a aposentadoria e jornada de trabalho "compatível".
"Esses direitos mínimos não são negados àqueles que não têm vínculo CLT, eles são assegurados a todos os autônomos", explicou Peduzzi.
"O Judiciário garante proteção a todos. Todos aqueles que tiverem seu direito descumprido. Nós temos inclusive a justiça gratuita para fornecer amplo acesso à justiça que possibilitam que as pessoas prejudicadas cheguem ao poder judiciário, mas temos também a afirmação constitucional da responsabilidade civil de quem contrata", disse ela.
A declaração da ministra deixou as empresas em alerta, visto que pode indicar um novo rumo aos processos trabalhistas na corte superior. Nos bastidores do mundo jurídico a fala foi interpretada como um “recado para toda sociedade".
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Políticos de PE no rol de "adversários"
O deputado federal pernambucano Daniel Coelho (Cidadania) também está no rol de “adversários” da Uber. Isso porque ele é autor de um projeto de lei que impõe regras e limites para o banimento dos condutores das plataformas, esquentando ainda mais a guerra travada entre as duas categorias, colocadas em lados distintos devido à crise econômica da pandemia de covid-19, pela primeira vez desde que as plataformas chegaram ao Brasil, ainda em 2015.
As plataformas de entregas, como Rappi e IFood (além do Uber Eats e 99 Entrega) também serão atingidas.
Na prática, o PL propõe a comunicação prévia do bloqueio, suspensão ou exclusão dos prestadores de serviço de transporte ou de entregas. Pela proposta, a empresa operadora de aplicativos de transporte de passageiros ou entrega de mercadorias deverá comunicar sobre o bloqueio, a suspensão ou a exclusão dos prestadores de serviço com antecedência mínima de 24 horas.
Outro parlamentar pernambucano que não tem sido visto com bons olhos pela Uber e outros apps, como 99, é Eduardo da Fonte (PP). O deputado apresentou um PL para que as empresas sejam obrigadas a contratarem seguro por morte, invalidez e despesas de assistência médica e suplementares, para os motoristas de transporte de passageiros.
Pela proposta, o seguro também deverá oferecer cobertura para os passageiros e só poderá ser acionado quando o acidente ocorrer durante a prestação dos serviços.
“Esta é uma maneira de atendermos a uma demanda dos motoristas de aplicativo e corrigirmos uma distorção do mercado que tem precarizado as condições de trabalho do profissional autônomo. Não é justo a empresa faturar alto e não garantir o mínimo de condições de trabalho e suporte para o trabalhador que diariamente se arrisca nas ruas”, afirmou o deputado federal.
Taxistas querem batalha judicial
Além dos motoristas, juristas e políticos, os taxistas — historicamente adversários das plataformas — continuam firmes e fortes na sua luta contra a Uber e suas concorrentes. Tanto é que, no Recife, a categoria pretende acionar o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para fazer com que a regulamentação dos aplicativos de transporte individual privado de passageiros seja colocada em prática no Recife.
A Lei Municipal 18.528 foi sancionada pelo então prefeito Geraldo Julio (PSB) ainda em 2018, mas até agora não foi efetivada por impedimento judicial. O objetivo dos taxistas é fazer com que o MPPE entre na briga como fiscalizador do cumprimento das leis.
Ainda não há uma data certa para a provocação, mas o jurídico do Sindicato dos Taxistas de Pernambuco já está estudando o processo que corre na 14 ª Vara da Fazenda Pública da Capital, no qual o juiz Djalma Andrelino Nogueira Júnior decidiu que os principais pontos da regulamentação não podem ser aplicados às plataformas.
Originalmente, a ação favorecia a empresa 99, autora da ação ainda em 2020. Mas a Prefeitura do Recife ficou impossibilitada de fiscalizar todas as empresas cadastradas - a 99 até agora não se cadastrou na capital pernambucana devido à ação.
O interesse dos taxistas em acionar o MPPE para fazer a regulamentação ser válida é obrigar todos os apps a cumprirem as regras da Lei 18.528/2018. Eles avaliam que a situação está fugindo do controle com o surgimento de novos aplicativos no mercado, estimulados pela crise que envolve a Uber e a 99.
“Está havendo muito desrespeito, principalmente pelos novos aplicativos que estão surgindo. Veja o caso do Maxim, que está circulando pela cidade adesivado e fazendo ponto - duas atitudes que são proibidas pela lei que regulamenta o serviço. Por isso o nosso advogado está debruçado sobre o caso para decidirmos, em breve, a melhor estratégia jurídica a ser adotada”, explicou o presidente do Sindicato dos Taxistas de Pernambuco, Flávio Fortunato.